Ted Cruz, "o homem mais odiado no Senado", está na corrida à Casa Branca

Filho de um cubano que chegou a lutar ao lado de Fidel Castro, o actual senador do Texas é o representante da ala mais conservadora do Partido Republicano.

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Cruz é o favorito do movimento Tea Party Kevin Lamarque/Reuters

A mais de um ano e meio das eleições, os presumíveis candidatos a candidatos ao cargo de próximo Presidente dos Estados Unidos começam a acotovelar-se nos jornais, nas televisões e em todos os cantos da Internet para captarem a atenção dos eleitores norte-americanos.

A lista de nomes é tão extensa que mais parece a chamada para uma meia maratona, mas o primeiro anúncio oficial só foi feito nas primeiras horas desta segunda-feira.

Entra em cena o controverso e complexo Ted Cruz, senador do Texas pelo Partido Republicano e menino bonito do movimento Tea Party; conservador entre os mais conservadores e descrente nas alterações climáticas; nascido no Canadá e filho de um cubano que chegou a lutar ao lado de Fidel Castro antes de se reinventar como pastor evangélico nos EUA.

A intenção de Ted Cruz é candidatar-se a um cargo que já existe desde o século XVIII, mas o anúncio foi feito de acordo com as regras da segunda década do século XXI: no Twitter.

"Sou candidato a Presidente e espero conquistar o vosso apoio!", escreveu Cruz, numa mensagem acompanhada por um vídeo de 30 segundos que transmite a ideia de mudança, apesar de nunca se ouvir essa palavra que ajudou Barack Obama – o seu arqui-inimigo – a chegar à Casa Branca em 2008.

"Chegou o tempo da verdade. De estarmos à altura do desafio. Acredito na América e no seu povo, e acredito que podemos erguer-nos e restaurar a nossa promessa. Vamos precisar de uma nova geração de conservadores corajosos [entra imagem de crianças a cantarem o hino numa sala de aula] para voltarmos a fazer da América um país corajoso. E estou preparado para estar ao vosso lado [entram imagens de pessoas de várias idades e etnias], para liderar esta luta."

"O homem mais odiado no Senado"
Cruz apareceu em grande na política dos EUA há menos de três anos, quando venceu as eleições para o Senado no Texas como candidato apoiado pelo movimento Tea Party. Desde então, conquistou ódios no Partido Democrata, mas também conseguiu a proeza de ser olhado com desdém pela ala mais moderada do seu Partido Republicano – foi a sua batalha contra o Obamacare que acabou por levar à paralisação do Governo norte-americano em Outubro de 2013; uns meses antes, em Abril do mesmo ano, a revista Foreign Policy traçava-lhe o perfil com o sugestivo título "O homem mais odiado no Senado".

Conhecido pela sua determinação em regressar aos tempos do militarismo norte-americano, Cruz já coleccionou declarações suficientes para ser rotulado por democratas e republicanos mais moderados como perigoso, doido, as duas coisas, e muitas outras – há dois anos, o senador republicano John McCain chamou-lhe "wacko bird", e já este mês o congressista Peter King, também do Partido Republicano, referiu-se a ele como sendo um adulto irresponsável.

Na semana passada, durante uma passagem pelo programa de televisão do humorista Seth Meyers, Ted Cruz foi confrontado com algumas das suas posições públicas mais controversas, e as respostas deixaram bem claro que o seu poder de argumentação poderá fazer estragos durante os debates nas primárias do Partido Republicano, num encontro quase perfeito entre retórica e informação científica confusa.

Quando o apresentador o questionou, ironicamente, sobre se tinha mudado de opinião em relação ao tema das alterações climáticas, porque o mundo estaria "literalmente a arder" (numa referência à estimativa de que 2014 foi o ano mais quente desde que há registos), Ted Cruz não vacilou: "É interessante que diga isso, porque eu acabei de chegar do New Hampshire, que está coberto de neve e gelo."

"Os debates sobre esse assunto devem basear-se na ciência e nos dados disponíveis. Muitos alarmistas sobre o aquecimento global têm um problema, porque a ciência não confirma os seus pontos de vista. Os dados recolhidos por satélite demonstram que não houve aquecimento nos últimos 17 anos. É por isso que deixaram de falar em aquecimento global e que a teoria mudou de nome, como que por magia, para alterações climáticas." Palmas.

Num outro momento da conversa, Ted Cruz recordou que falou sem interrupção durante 21 horas, em Setembro de 2013, no auge da sua luta contra o Obamacare.

"Como é que isso correu?", perguntou o apresentador, numa referência ao facto de a reforma do sistema de saúde do actual Presidente ser uma realidade em 2015, e provocando aplausos e gargalhadas entre a assistência.

Mas Cruz não tremeu: "Correu muito bem, porque actualmente o Obamacare tem uma taxa de aprovação de 37%, e, por causa do Obamacare, o Partido Democrata perdeu a maioria no Senado e em 2016 vamos assistir a um resultado eleitoral muito diferente." Mais palmas.

Mas se as suas posições controversas podem afastar milhões de moderados, a sua história pessoal pode cativar o imaginário de muitos emigrantes, que se revêem na luta do seu pai pelo chamado "sonho americano" – Rafael Cruz nasceu em Cuba e pegou em armas para lutar ao lado de Fidel Castro, antes de emigrar para o Texas, onde se arrependeu da luta armada, criou uma empresa e é hoje um pastor evangélico.

"Ele começou a combater aos 14 anos, e passou quatro anos a lutar, a atirar cocktails molotov", contou Ted Cruz no programa Late Night with Seth Meyers. "Lutou ao lado de Castro, mas nenhum dos miúdos que estavam nessa luta sabia que Castro era comunista. Batista era um ditador, era cruel e corrupto, e o Exército dele pôs o meu pai na cadeia. Foi espancado e torturado, e fugiu de Cuba em 1957, para o Texas. Chegou cá aos 18 anos, não sabia falar inglês, tinha 100 dólares cosidos à roupa interior. O primeiro trabalho dele foi lavar pratos, a 50 cêntimos à hora. Aprendeu a falar inglês, pagou os seus estudos e criou um pequeno negócio."

Devido à sua história familiar, muitos já fizeram a seguinte pergunta: se Cruz nasceu no Canadá e é filho de um cubano, pode candidatar-se à Presidência dos EUA? Aqui fica a resposta: a generalidade dos pareceres sobre a elegibilidade dos candidatos à Casa Branca diz que sim, porque a sua mãe é uma cidadã dos EUA que nasceu em território norte-americano e aí viveu por pelo menos cinco anos, dois deles depois de Ted Cruz ter completado o seu 14.º aniversário.

Luta dura no Partido Republicano
A entrada em cena de Ted Cruz marca o início oficial de uma batalha que se prevê muito dura no interior do Partido Republicano pela escolha do seu candidato a Presidente dos EUA.

Ao contrário do Partido Democrata, onde a mais do que provável candidatura de Hillary Clinton tem secado quase tudo à sua volta, o Partido Republicano tem nomes para dar e vender. Ted Cruz é o primeiro candidato oficial, mas o favorito Jeb Bush já lançou a sua "comissão exploratória" (leia-se contar espingardas para minimizar as hipóteses de derrota), e mais de uma dezena de pesos-pluma, médios e pesados estarão a dias ou semanas de entrar na corrida: Bobby Jindal (governador do Louisiana), Chris Christie (governador de Nova Jérsia), John Kasich (governador do Ohio), Lindsey Graham (senador da Carolina do Sul), Marco Rubio (senador da Florida), Mike Huckabee (antigo governador do Arkansas), Mike Pence (governador do Indiana), Rand Paul (senador do Kentucky), Rick Perry (ex-governador do Texas), Rick Santorum (senador da Pensilvânia) e Scott Walker (governador do Wisconsin).

Descontando o adversário de Barack Obama nas últimas eleições, Mitt Romney (que chegou a pensar nisso, mas já anunciou que nem pensar), e somando incógnitas como as do antigo neurocirurgião Ben Carson e da antiga empresária Carly Fiorina e surpresas de última hora, está montado o cenário para uma das mais intensas lutas pelo bilhete que dá direito a medir forças com o candidato a ser escolhido pelo Partido Democrata.

Ted Cruz parte para essa batalha com poucas armas, se as únicas referências para se avaliar o seu potencial forem sondagens realizadas a um ano do arranque das eleições primárias e a mais de um ano e meio das eleições para a Casa Branca, marcadas para 8 de Novembro de 2016.

É também por isso – por surgir bem atrás de nomes como Jeb Bush nas sondagens – que Cruz decidiu antecipar-se aos seus futuros adversários e ser o primeiro a anunciar a candidatura, abrindo para si próprio um espaço importante entre os republicanos mais conservadores.

Mas o sistema eleitoral nos EUA, que obriga os principais partidos a escolherem o seu candidato em eleições internas (as primárias), faz com que as sondagens sejam indicadores pouco fiáveis a tanto tempo de distância – até lá, os candidatos mais conservadores ou mais chegados à área libertária, como Ted Cruz ou Rand Paul, podem conquistar uma fatia maior do eleitorado republicano, com os seus discursos contra "o sistema", que pintam Washington como uma máquina paralisada por políticos fracos e sem coragem de assumir as suas convicções.

Neste campo, Ted Cruz é um dos mais complexos e controversos protagonistas – em Fevereiro, o The Washington Post referiu-se a ele como "o candidato mais subestimado" na corrida à Casa Branca, mas nesta segunda-feira o The New York Times explica por que razão a sua candidatura "tem muito poucas hipóteses" de sucesso.

"Não tirem os olhos de Cruz", escreveram os jornalistas de política Chris Cillizza e Aaron Blake no blogue The Fix, do The Washington Post. "A combinação da sua candidatura como único verdadeiro representante do Tea Party, dos seus dons oratórios e eficácia em debates e da sua determinação em marcar sempre uma posição o mais conservadora possível, sobre qualquer assunto, faz dele uma verdadeira ameaça."

No The New York Times, o jornalista Nate Cohn defende que Cruz não será essa "verdadeira ameaça", porque Jeb Bush vai "trabalhar para responder às preocupações dos conservadores", e assim retirar eleitores ao actual senador do Texas nas primárias: "A questão mais interessante sobre a candidatura do sr. Cruz é saber se ele tem uma pequena hipótese de vencer ou se não tem nenhuma."

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