Supremo da Grécia pede ao Parlamento que avalie acções de Varoufakis

Ex-ministro revelou que tinha um plano para tentar atenuar a saída do país da zona euro e há quem o acuse de traição.

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Yanis Varoufakis foi defendido por um ex-conselheiro de Durão Barroso LOUISA GOULIAMAKI/AFP

É um cenário improvável, mas o ex-ministro grego das Finanças Yanis Varoufakis poderá ter de responder em tribunal por acusações de traição e ser associado publicamente a uma organização criminosa. A procuradora-geral do Supremo Tribunal decidiu dar seguimento a três queixas contra Varoufakis, mas a maioria do Syriza deverá ser suficiente para manter a imunidade parlamentar do actual deputado.

A decisão foi tomada pela procuradora Efterpi Koutzamani – a primeira mulher a ser nomeada para o cargo, em 2013, por decisão do então primeiro-ministro, Antonis Samaris, dos conservadores da Nova Democracia. Nascida em 1949, Koutzamani ganhou notoriedade há pouco mais de uma década, durante o julgamento dos líderes do 17 de Novembro, um grupo armado de esquerda radical que a Grécia, os EUA e o Reino Unido incluíram nas suas listas de organizações terroristas.

O que está em cima da mesa são três queixas – duas relacionadas com a forma como Yanis Varoufakis geriu as negociações com a Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional desde que foi nomeado ministro das Finanças, em Janeiro, até à sua demissão, no dia 6 de Junho; e uma especificamente sobre o seu plano para acautelar uma eventual saída da zona euro, que lhe tem valido críticas muito duras dos seus opositores na Grécia e no resto da Europa.

As duas primeiras queixas foram apresentadas na semana passada, antes de ter sido revelado que o ex-ministro das Finanças se preparou para criar um sistema de pagamentos paralelo, que seria accionado se o país tivesse de abandonar a moeda única europeia.

Numa delas, o advogado Panayiotis Giannopoulos acusa Yanis Varoufakis de ter causado "danos incalculáveis aos interesses do país", através de meios "preparados para obstruir ou dificultar o trabalho do Parlamento, do Governo e/ou do primeiro-ministro no desempenho dos seus deveres"; noutra, Apostolos Gletsos, actor, presidente da câmara da cidade de Stylida e fundador do partido Teleia, acusa também o ex-ministro de ter aberto a porta a severas retaliações por parte dos credores.

O diário grego Kathimerini – que revelou o polémico plano B de Yanis Varoufakis – diz também que a procuradora do Supremo Tribunal deu seguimento a uma terceira queixa, apresentada por cinco advogados, com o objectivo de avaliar se "figuras não-políticas" poderão ser investigadas por "violação de informações privadas, violação das leis monetárias e envolvimento em organização criminosa".

Em causa está um plano preparado sob a tutela de Yanis Varoufakis, que o ex-ministro diz ter sido pedido por Alexis Tsipras ainda antes de o Syriza ter formado governo, em Janeiro.

A gravação
Depois de o jornal Kathimerini ter revelado excertos de uma conferência telefónica em que Varoufakis participou, no dia 16 de Junho, o ex-ministro das Finanças viu-se novamente na situação em que sempre esteve durante os meses que passou como governante: entre os que o acusam de ser um aventureiro irresponsável e os que lhe elogiam a coragem e a determinação em romper com a política vigente.

Na gravação da conversa – divulgada na íntegra pelo fórum que a organizou, "em nome da transparência", e que também está disponível em áudio – Varoufakis defendeu-se da acusação que lhe faziam de nunca ter pensado numa solução se o país saísse da zona euro.

Mais do que dizer que, afinal, sempre teve vários planos B, o ex-ministro descreveu um deles ao pormenor: entrar na base de dados da autoridade dos impostos e copiar os números de identificação de todos os contribuintes, para transmitir a sensação de normalidade possível a partir do momento em que o Banco Central Europeu cortasse definitivamente a linha de financiamento e os bancos e as caixas automáticas fechassem.

O que muitos vêem como uma uma gritante violação dos direitos dos cidadãos gregos, numa jogada suja e feita pela calada, outros vêem um plano perfeitamente aceitável e, até, recomendável.

Bode expiatório
"Ele tornou-se no bode expiatório perfeito por ter definido um plano de fuga audaz, para o caso de os credores da Grécia fecharem o sistema bancário do país e cortarem as suas relações económicas internacionais – como acabaram por fazer", escreve no jornal britânico The Guardian Philippe Legrain, conselheiro para assuntos económicos do ex-presidente da Comissão Europeia Durão Barroso entre 2011 e 2014.

"Se bem que o plano de Varoufakis para criar um sistema de pagamentos paralelo com base nos registos fiscais do país era pouco ortodoxo, era perfeitamente compreensível. Até agora, Varoufakis tinha sido criticado por enfrentar os credores da zona euro sem ter preparado um plano B para o caso de as negociações falharem (...) Mas agora sabe-se que Varoufakis tinha mesmo um plano B, e está a ser atacado por isso também", critica Legrain.

Também o economista Paul Krugman saiu em defesa do ex-ministro das Finanças grego, dizendo que "o verdadeiro choque seria se não houvesse planos de contingência".

"Prepararmo-nos para algo que sabemos que pode acontecer não significa que queremos que isso aconteça. Talvez um dia saibamos que planos tiveram os Estados Unidos ao longo dos anos. Planos para invadir o Canadá? Provavelmente. Planos para declarar a lei marcial no caso de uma revolta de supremacistas brancos? Talvez", escreveu no seu blogue no The New York Times.

O Nobel da Economia foi mais longe, defendendo que o plano B de Varoufakis deveria ter mesmo sido accionado pelo Governo grego: "O assunto agora é discutir se Tsipras decidiu bem ao não accionar esse plano perante o que se configura como uma extorsão por parte dos credores. Eu acho que ele tomou a decisão errada, mas só Deus sabe que era uma responsabilidade impressionante – e talvez nunca saibamos quem tinha razão."

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