Sudanesa cristã novamente detida um dia após a sua libertação

Meriam foi detida no aeroporto de Cartum por não ter todos os documentos necessários para viajar.

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Foto revelada por um dos sites de apoio à sudanesa pouco após a sua libertação Save Meriam Yehya Ibrahim Ishag

Meriam Yehya Ibrahim Ishag foi libertada na segunda-feira, depois de ter estado detida durante meses por acusações de apostasia, pela qual foi condenada à morte, e de adultério. Esta terça-feira, quando se preparava para abandonar o Sudão com destino aos Estados Unidos na companhia do marido e dos dois filhos, foi detida no aeroporto de Cartum.

Fontes ouvidas pela BBC e pela AFP indicam que Meriam e o marido Daniel Wadi foram detidos por forças de segurança, pelas 12h00 de Lisboa, estando acompanhados pelos dois filhos, Martin, de cerca de 20 meses, e Maya, de dois meses.

As razões para a detenção não foram inicialmente avançadas, mas Abdullahi Alzareg, do Ministério sudanês dos Negócios Estrangeiros, indicou à BBC na tarde desta terça-feira que Meriam foi detida por não ter os documentos necessários para viajar. A mesma fonte explicou que, apesar da mulher ser sudanesa, estava a utilizar documentos do Sudão do Sul com um visto dos Estados Unidos. O marido de Meriam é do actual Sudão do Sul e tem também nacionalidade norte-americana.

Um oficial sudanês disse à estação de televisão britânica que a sudanesa deve ser libertada "em breve", sem avançar mais pormenores.

Por sua vez, um dos advogados da equipa de defesa de Meriam avança que está a ser impedida de chegar à sua cliente.
 
Na segunda-feira um dos advogados da sudanesa anunciou a sua libertação, indicando que durante esta terça-feira o tribunal iria explicar as razões para decidir a favor de um recurso apresentado pela defesa e ter voltado atrás na decisão de condenar Meriam à morte por enforcamento, depois desta ter recusado o islão como a sua religião.

Meriam foi educada pela mãe segundo a religião Ortodoxa e não islâmica, a fé do seu pai, um homem pouco presente durante a sua infância. Casou com um sudanês do sul, também cristão. Depois de ter sido acusada de adultério após a denúncia de um membro da sua família de que estava casada com um cristão (o casamento com pessoas de outra religião não é reconhecido pela sharia), Meriam foi acusada de renunciar à religião do seu país ao afirmar-se cristã. Um tribunal de Cartum considerou-a culpada de adultério e apostasia, após a mulher ter recusado, mais uma vez, o islão como a sua religião. Condenou-a à morte por enforcamento e a 100 chicotadas pelo adultério.

Detida desde 17 de Janeiro, Meriam entrou na prisão para mulheres de Omdurman, em Cartum, com o filho bebé Martin e grávida de Maya. A bebé nasceu na enfermaria da prisão. Segundo o marido e a Amnistia Internacional, a mulher esteve acorrentada pelos tornozelos durante o parto, tal como esteve desde a sua detenção.

No final de Maio, surgiu a primeira notícia de que Meriam ia ser libertada. O Ministério dos Negócios Estrangeiros sudanês desmentiu a libertação e afirmou que a mulher, de 27 anos, apenas seria colocada em liberdade se a resposta ao recurso da sua defesa fosse aceite em tribunal, o aconteceu agora.

Desde a entrada em vigor do Código Penal sudanês de 1991, nenhuma pessoa foi executada por apostasia, segundo dados da Amnistia Internacional. O caso mais recente de uma pena de morte por apostasia no Sudão ocorreu em 1985, quando um homem criticou a entrada em vigor da sharia como lei no país.

Apesar de terem ocorrido várias condenações, na maioria dos casos as sentenças foram revogadas quando os acusados renunciaram a religiões alternativas e optaram pelo islão. As execuções são, no entanto, uma prática no Sudão. No ano passado, a Amnistia Internacional indica que foram executadas 21 pessoas. Números oficiais revelam que 29 pessoas foram condenadas à morte, mas as sentenças com a pena máxima deverão ultrapassar as 100, diz a organização.

Uma análise publicada esta semana pelo Pew Research Center indica que, em 2012, as leis contra a apostasia existiam em 21 países, principalmente do Médio Oriente e do Norte de África, onde 12 em 20 nações criminalizam a negação a uma fé. A penalização da apostasia existe ainda em regiões da Ásia-Pacífico, com cinco países a adoptar legislação nesse sentido, e na África subsariana, com quatro Estados a aplicar leis que proíbem a apostasia.

Notícia actualizada às 17h14: Acrescenta informação do Ministério dos Negócios Estrangeiros sobre razões da detenção da sudanesa.

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