Sucessão de Durão Barroso coloca governos e instituições da UE à beira de uma grave crise

Começa a ser dito em privado que a desistência de Juncker é a única solução airosa, mas a equipa deste nega que isso esteja sobre a mesa.

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Jean-Claude Juncker com o actual presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso AFP

A batalha em torno da nomeação de Jean-Claude Juncker para suceder a Durão Barroso na presidência da Comissão Europeia aqueceu ao rubro nos últimos dias de uma forma que ameaça abrir uma grave crise entre os governos da União Europeia (UE) e entre estes e o Parlamento Europeu (PE).

David Cameron, primeiro-ministro britânico, está a dar tudo por tudo para bloquear a nomeação do ex-primeiro ministro do Luxemburgo, pondo mesmo na balança uma possível saída do Reino Unido da UE caso saia derrotado.

A radicalização do discurso britânico, virada para o seu partido conservador cada vez mais eurocéptico e apoiada por boa parte da imprensa nacional, está aliás a tornar praticamente impossível um recuo de Londres, o que começa a tornar-se num sério problema sem fim à vista.

O impasse é tal que a solução que começa a ser ventilada em privado em Bruxelas como a única saída airosa possível seria uma decisão do próprio Juncker de se retirar da corrida, o que permitiria abrir o caminho para a escolha de um nome alternativo consensual para todos os intervenientes.

A equipa de Juncker e os seus apoiantes negam que o luxemburguês tenha qualquer intenção deste tipo, garantindo que Cameron está isolado e será derrotado se os chefes de Estado ou de Governo decidirem proceder a uma votação, que apenas precisa da maioria qualificada dos 28.

Os britânicos alegam, pelo contrário, que têm o apoio da Holanda, Suécia, Dinamarca e Hungria, e possivelmente da Itália, o que, a confirmar-se, lhes permitirá bloquear a decisão.

A chave deste braço de ferro está, uma vez mais, nas mãos da Alemanha, cuja posição tem sido tudo menos clara: Angela Merkel, chanceler alemã, tão depressa defende Juncker — por quem não tem um apreço particular — como sublinha a importância do Reino Unido para a UE.

Merkel participará segunda e terça-feira, em Estocolmo, numa minicimeira de líderes da Alemanha, Reino Unido e Suécia, que é vista como o momento chave para a resolução do “problema Juncker”.

Ninguém sabe ainda como, porque mesmo que o visado decida abandonar o barco, o problema não ficará por si só resolvido.

Este imbróglio foi provocado por uma decisão dos socialistas europeus de indicarem um candidato à sucessão de Barroso com a promessa de que seria o próximo presidente da Comissão caso a sua família política fosse a mais votada nas eleições europeias de 25 de Maio. O escolhido foi o alemão Martin Schulz, presidente do Parlamento Europeu (PE).

Contrafeitos, os partidos de centro direita (PPE) — que inclui a CDU de Merkel e o PSD e CDS portugueses — decidiram avançar na mesma lógica com o objectivo expresso de bloquear a candidatura de Schulz, assumindo Juncker, federalista europeu convicto, como o seu candidato.

Esta ideia dos candidatos-chefes de fila nunca entusiasmou os Governos, porque são eles — e não o PE — que, segundo o Tratado da UE, têm o poder de escolher o presidente da Comissão. Este tem, no entanto, de ser depois confirmado por uma maioria absoluta de eurodeputados (376 em 751), o que dá aos eleitos um enorme poder de pressão — e de veto.

Apesar disso, os Governos deixaram a campanha eleitoral decorrer à volta dos candidatos-chefes de fila sem fazerem nada para o impedir.

Dada a sua vitória eleitoral (embora sem maioria absoluta) a 25 de Maio, o PPE clamou a escolha de Juncker para suceder a Barroso, embora sabendo que o seu candidato precisará de construir uma maioria parlamentar com os socialistas e possivelmente os liberais (o segundo e terceiro grupo parlamentar em dimensão) para poder ser confirmado no PE.

A radicalização do discurso de Cameron contra Juncker tem tido o efeito de ir reforçando a determinação do PE de exigir a nomeação do candidato do PPE em respeito da promessa feita (pelos partidos pan-europeus) aos eleitores.

Acima de tudo, o PE recusa terminantemente dar pela quarta vez a Londres um poder de veto sobre a escolha do presidente da Comissão (depois dos antecedentes de 1984, 1994 e 2004). Isto, tanto mais que o Tratado de Lisboa, de 2009, alterou o método de decisão nesta matéria da unanimidade para a maioria qualificada.

Esta unidade parlamentar comporta assim uma ameaça de veto de um eventual candidato alternativo dos Governos caso este cedam à chantagem de Cameron.

Juncker garantiu por seu lado, na semana passada, aos eurodeputados do PPE que não se porá “de joelhos” para obter o apoio de Londres, mesmo se uma das suas prioridades para o mandato de cinco anos será ajudar os britânicos a resolver o seu problema europeu: Cameron prometeu ao país um referendo em 2017 sobre a permanência do país na UE depois de, segundo espera, ter conseguido recuperar para o nível nacional algumas das competências delegadas ao longo dos anos para Bruxelas.

Se o PE mantiver a sua determinação actual, uma eventual desistência de Juncker não resolverá problema nenhum por causa da ameaça de veto a um candidato alternativo dos Governos. O que, a confirmar-se, abrirá uma crise de graves consequências entre os Governos e as instituições da UE.


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