Subúrbios de Estocolmo mais calmos após uma semana de violência

Confirmada nacionalidade portuguesa do cidadão cuja morte pela policia desencadeou os motins

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A polícia reforçou a segurança ao longo do fim-de-semana Fredrik Persson/Reuters

A calma parece ter regressado às ruas dos bairros mais desfavorecidos da periferia de Estocolmo, ao fim de uma semana de distúrbios que revelaram ao mundo uma face pouco conhecida da sociedade sueca.

Na noite de sábado para domingo já foi visível o resultado do reforço policial nos subúrbios da capital. "Está tudo bastante calmo", disse à agência Reuters o porta-voz da polícia, Lars Bystrom. O responsável afirmou mesmo que a situação "não está pior do que numa noite normal".

Apesar da aparente acalmia, as autoridades recusam-se a declarar o fim da violência, que se traduziu em dezenas de incêndios em automóveis, caixotes do lixo e alguns edifícios, entre os quais escolas. Numa escola primária do distrito de Tensta, na zona Norte de Estocolmo, houve dois incêndios em apenas três dias. "Não sei por que razão alguém quereria queimar a nossa escola", disse a directora, Eva Bromster, citada pelo The New York Times. Apesar da incredulidade, a responsável arrisca uma tentativa de explicação: "Talvez eles não estejam contentes com a vida que têm", referindo-se aos grupos de jovens que têm protagonizado os motins.

Na sexta-feira passada, a polícia anunciou o reforço de efectivos, com agentes deslocados de Gotemburgo e de Malmö. A participação de pais de jovens e de voluntários de associações de moradores também terá contribuído para reduzir a tensão, disse outro porta-voz da polícia, Kjell Lindgren.

Em Husby – onde a morte de um cidadão que emigrou de Portugal em 1975 é apontada como a causa directa dos motins da última semana – a noite de sábado para domingo foi mais dominada pela final da Liga dos Campeões em futebol do que por episódios de violência, segundo a polícia.

José Cesário, secretário de Estado das Comunidades, disse nesta segunda-feira ao PÚBLICO que Lenine Relvas-Martins, cuja morte terá desencadeado os motins, tinha dupla nacionalidade: "Era luso-sueco, terá obtido dupla nacionaldade, pelo que a Suécia o trata como um seu nacional. Mas nasceu em Alcains, freguesia de Outeiro, distrito de Castelo Branco". Sobre as circunstâncias da sua morte, o governante português ainda não tinha informações.

Apesar de não terem atingido os níveis de violência dos motins de Londres em 2011 ou de Paris, principalmente em 2005, os distúrbios nos bairros mais desfavorecidos dos subúrbios de Estocolmo são a face mais visível das tensões latentes na sociedade sueca. O Governo de centro-direita, liderado por Fredrik Reinfeld, do Partido Moderado, tem continuado a tentar um equilíbrio entre a reforma do famoso Estado social sueco e a integração de imigrantes, mas a elevada taxa de desemprego entre os jovens dos bairros das periferias contribuiu para aumentar as desigualdades no país.

Como em muitas outras situações semelhantes, a realidade é vista por prismas diferentes, consoante a ideologia política. Para o Partido Social-Democrata – ideólogo e obreiro do modelo que fez da Suécia um exemplo de conciliação entre uma economia de mercado e um Estado Social, principalmente sob a liderança de Olof Palme, nas décadas de 1970 e 1980 –, o problema reside na "falta de confiança na sociedade". "Fico irritado quando vejo escolas a arder, mas também há pessoas que são arrastadas para isto porque sentem que não têm esperança", afirmou o líder dos sociais-democratas, Stefan Lofven.

O líder dos Democratas Suecos – um partido nacionalista de extrema-direita que já ocupa o 3.º lugar entre todas as forças políticas, de acordo com as sondagens mais recentes – concorda que os motins "não são apenas um caso de polícia", mas por outras razões: "É um resultado directo de uma política de imigração irresponsável, que abriu brechas profundas na sociedade sueca", defende o jovem Jimmie Akesson, de 33 anos, antigo militante da juventude do Partido Moderado, actualmente no poder.

A sociedade sueca ainda é apontada como um exemplo de equilíbrio, mas os dados da OCDE mostram que as desigualdades se acentuaram muito mais nas últimas duas décadas. "As últimas tendências da década de 2000 apontam para uma distância maior entre ricos e pobres, não apenas em alguns dos países que já tinham elevadas taxas de desigualdade, como Israel e os Estados Unidos, mas também – pela primeira vez – em países com taxas de desigualdade tradicionalmente baixas, como a Alemanha, a Dinamarca e a Suécia (e outros países nórdicos), onde as desigualdades cresceram mais do que em qualquer outra zona", lê-se no relatório da OCDE.

Em todo o país, 15% da população nasceu no estrangeiro, e entre estes a taxa de desemprego é de 16%, em comparação com 6% entre os cidadãos nascidos na Suécia, ainda de acordo com os dados da OCDE. A maioria da população de Husby – o subúrbio que é apontado como o epicentro dos motins da última semana – tem raízes no estrangeiro, com mais de 80% dos 12.000 habitantes originários ou descendentes de famílias com origens na Turquia, na Somália e em países do Médio Oriente.
 
 
 
 
 
 
 

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