Só “reformas credíveis” podem travar o populismo, em Itália e na Europa

“Se a Europa me explica em detalhe como é que eu devo pescar um peixe-espada e não me diz nada sobre a forma de salvar um imigrante que se afoga, isto quer dizer que há qualquer coisa que não está bem”, diz o primeiro-ministro italiano.

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Há mais de 50 anos que nenhum partido tinha tantos votos numa eleição em Itália Filippo Monteforte/AFP

Nas eleições de há uma semana teve o melhor resultado de sempre do centro-esquerda em Itália e mais votos do que qualquer outro partido europeu, 40,8%. Mas não é por isso que Matteo Renzi, primeiro-ministro não eleito desde Fevereiro, decidiu ignorar os adversários internos: o Movimento 5 Estrelas, de Beppe Grillo, e a direita, liderada ainda por Silvio Berlusconi. Grillo, diz, não está acabado, “teve um resultado inferior às suas expectativas” mas “só estará acabado se nós fizermos reformas e formos credíveis”.

“Se queremos salvar a Europa temos de a mudar. Mesmo se o PD [Partido Democrático] foi de todos os partidos europeus o que obteve o melhor sufrágio, mesmo se tivemos uma abstenção fraca, isso não significa que os eleitores estejam a favor do statu quo. Esta mobilização não é uma aspiração ao imobilismo”, disse Renzi numa entrevista aos jornalistas da rede europeia (Le Monde, Süddeutsche Zeitung, The Guardian, La Stampa e El País).

Recusando dar lições aos outros líderes europeus ou afirmar-se como “um novo líder para a esquerda europeia” (“Não tenho receitas para os outros”) com solução pronta para combater o eurocepticismo, Renzi tem ideias para mudar a Itália e espera que isso contribua para mudar a Europa. E tem, também, o seu projecto europeu: “O que posso dizer é que é preciso mostrar os aspectos mais sedutores da Europa do serviço cívico, Erasmus e Estados Unidos da Europa, que continuam no meu horizonte”. Para que isto seja possível, defende, “é preciso que as pessoas voltem a interessar-se pela coisa pública e que consigamos acordar em objectivos comuns”.

Uma das suas prioridades – já referida e que diz ir desenvolver quando falar no Parlamento Europeu, a 2 de Julho – passa pela política energética europeia, o que implica “a criação de equipas, que a infra-estrutura seja posta em rede”. Mas isso não basta. Renzi recusa apoiar um candidato à liderança da Comissão Europeia, preferia conhecer programas em vezes de rostos e desses escolheria quem apresentasse uma estratégia para combater o desemprego. “O próximo presidente da Comissão deve amar a Europa. Mas hoje, quem ama realmente a Europa sabe que ela não funciona. Deve amar a Europa com o olhar de um inovador.”

Numa altura em que todas as semanas são resgatados centenas de imigrantes pela guarda costeira italiana junto à ilha de Lampedusa (enquanto tantos outros se afogam a tentar alcançar a porta de entrada na Europa), o líder italiano diz que o seu país “não pede nada à Europa” neste campo. O que a UE devia fazer, defende, é pedir à ONU que tome medidas na Líbia (de onde partem muitos destes imigrantes árabes ou subsarianos) e, de forma mais geral, “procurar desenvolver uma capacidade maior na gestão dos fluxos migratórios”.

Alma, desafios e sonhos
De resto, quanto à imigração, a Itália de Renzi continuará a fazer o que tem feito: “salvar os imigrantes” que consegue. “Deixar morrer crianças no Mediterrâneo é uma afronta à moral e às regras marítimas”, diz. “Se a Europa me explica em detalhe como é que eu devo pescar um peixe-espada e não me diz nada sobre a forma de salvar um imigrante que se afoga, isto quer dizer que há qualquer coisa que não está bem”, afirma.

Depois, usa um termo que repete várias vezes durante a entrevista – “alma”. “Eu trabalho para dar uma alma à Europa e espero que o Partido Socialista Europeu esteja consciente deste problema. A questão é não ser ou deixar de ser um líder mas devolver a esperança”, defende. “E isso não é simples, sobretudo numa Europa que, nos últimos anos, perdeu o sentido da aventura, dos desafios e dos sonhos. E aqui o papel dos partidos é fundamental.”

É também a isto que Renzi atribui o seu resultado nestas europeias, explicando que conseguiu trabalhar a caminho da estabilidade ao mesmo tempo que foi rápido a avançar com reformas de que a Itália precisava há muito: a nova lei eleitoral já está aprovada; o texto base da reforma da Constituição também; a reforma da legislação laboral foi iniciada, seguir-se-á a da Administração Pública.

Quanto ao seu futuro e ao da Itália, lembra que é “um país capaz de tudo, do bom e do mau, da genialidade e da loucura”. E é também por isso que “a atitude típica de superioridade moral e intelectual da esquerda não corresponde à realidade do país”. Se venceu, e como venceu, diz Renzi, foi por “ ter feito uma campanha de cara descoberta, no meio das pessoas”, “sem ignorar ninguém”.

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