Só há lugar no centro para dois partidos: o de Lapid ou o Labour

O homem que retirou a coroa de rei a “Bibi” Netanyahu merece o benefício da dúvida, diz o analista Ami Kaufman. Os trabalhistas de Shelly Yachimovich poderão desaparecer do mapa político se o Yesh Atid sobreviver.

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Yair Lapid foi a grande surpresa nas eleições israelitas Ahmad Gharabli/AFP

Um dos mais influentes comentadores políticos em Israel, Ami Kaufman foi editor no jornal Ha’aretz e no diário financeiro Calcalist. Foi também correspondente da estação de rádio israelo-palestiniana 93,6 RAM FM e é autor blogue Half & Half. Deu esta entrevista ao PÚBLICO, via Facebook.

O segundo lugar de Yair Lapid foi, para si, uma surpresa? O que conhece dele e quais as suas expectativas?
Sim, foi uma surpresa porque todas as sondagens lhe davam apenas 10-12 deputados, ou seja o terceiro ou o quarto lugar. Lapid é o filho de Josef (Tommy) Lapid, antigo ministro da Justiça e líder do outrora poderoso partido centrista Shinui. Tommy, que morreu em 2008, foi durante muitos anos jornalista do [diário] Ma’ariv. Em 1999, o seu partido obteve o extraordinário resultado de 15 assentos no Knesset [Parlamento]. Nos últimos anos, Israel tem visto um tsunami de jornalistas a abandonarem os teclados a favor das horríveis cadeiras de pele castanha da assembleia legislativa.

Yair é, actualmente, um dos rostos mais familiares em Israel. Foi actor em filmes; escrevia a coluna mais lida – sobre a sua família e o seu casamento – na primeira página do suplemento de fim-de-semana do jornal de maior circulação, Yediot Ahronot; era o principal rosto da campanha publicitária do HaPoalim, maior banco de Israel; e há quatro anos que conduzia o programa de maior audiência nas noites de sexta-feira, no Canal 2.

Também é autor de nove romances e pugilista amador [podemos vê-lo neste vídeo antigo http://www.youtube.com/watch?v=Kf5t7wETNvU, num combate em que sofre uma pesada derrota]. É amado, adorado e até venerado. Para muitos, representa o ‘israelita bonito’ (HaYisraeli HaYafe). Simboliza o queremos que Israel seja: inteligente, bem-humorado e mainstream – e não menos importante – muito belo. Não tinha muitas expectativas a seu respeito, já que nunca votaria nele. Ele nunca dá, aparentemente, uma resposta clara sobre o que quer que seja; e pensa que pode fugir às perguntas com um sorriso.

Foi por ser uma celebridade numa sociedade que busca histórias de sucesso que Lapid atraiu tantos eleitores ou/e devido ao seu programa sociopolítico? E que parte desse programa era mais atractiva?
Lapid obteve muitos votos por dois motivos. Primeira razão: muitos eleitores do Likud [partido de Benjamin Netanyahu] estavam descontentes com ‘Bibi’ [diminutivo com que os israelitas tratam o primeiro-ministro]; para ele, Lapid simbolizava o movimento de protesto social. Isto é um enorme engano, porque Lapid é tão capitalista quanto Netanyahu. Segunda razão: Lapid recebeu um voto de confiança da elite rica, branca, secular, ashkenazi [de origem europeia]. É o homem desta elite e o exemplo perfeito da classe alta de Israel.


O que podem, então, os israelitas (e o mundo) esperar de Lapid – um homem que se orgulha de não ter concluído o liceu – num governo de Netanyahu? Será o “novo rei de Israel”, ou tão só “um servo” de “Bibi”?Creio que ainda é muito cedo para vaticinar. Há alguns nomes que impressionam neste Knesset, pessoas que podem fazer aprovar boas leis. Mas, tal como Lapid, são estreantes e uma grande incógnita.

A ascensão de Lapid e do Yesh Atid evoca outros partidos “centristas” que tiveram excelentes resultados em dia de eleições mas desapareceram do mapa político num curto prazo. O Yesh Atid encaixa nesta categoria?
Há uma grande probabilidade de o Yesh Atid vir a desaparecer, tal como aconteceu ao movimento de Tommy [o Shinui dissolveu-se após uma cisão e uma derrota eleitoral em 2006]. Naturalmente que Lapid aprendeu com os erros do pai, mas o meu prognóstico é o de que não há espaço para três grandes partidos [no centro], apenas dois: ou o de Lapid ou o Trabalhista, de Shelly Yachimovich, vão desaparecer.


Alguns comentadores exprimiram alívio com os resultados de terça-feira – “uma bofetada na cara do arrogante Netanyahu”; “o regresso dos liberais e do centro-esquerda”; “a marginalização dos extremistas…. Estas eleições também reflectiram profundas fracturas na sociedade: laicos versus religiosos; ashkenazim versus mizrahim; fossos económicos e ideológicos… Como avalia a situação?
Mal começaram as negociações para uma coligação, e dois arqui-rivais – o partido ultra-ortodoxo ashkenazi  Judaísmo Unido da Torah e o ultra-ortodoxo mizarahi do Shas (um total de 18 deputados) – uniram-se num esforço para inviabilizar um governo com Lapid. É incrível até onde os ortodoxos estão dispostos a ir para impedir que os seus rapazes nas yeshivot [seminários] sejam recrutados para a tropa [estão isentos desde a criação de Israel, em 1947, o que é fonte de agravo popular, e obrigou a antecipar as eleições para este ano].

Fui um dos que criticavam Lapid pela sua falta de programa e visão, mas agora que o povo o escolheu, acho que lhe devemos dar uma oportunidade e julgá-lo pelos seus actos. Mas que vergonha, ter começado por deslegitimar 20% da população [os palestinianos de cidadania israelita] com uma declaração que quase classificaria de racista. Menos de 24 horas após os resultados, Lapid disse que não se aliaria ‘aos Haneen Zouabis’ [numa alusão ao deputado Haneen Zouabi, do partido árabe Balad]. Claro, esses demoníacos zouabis que votaram ‘democraticamente’ para o mesmo Parlamento de que Lapid será membro!

O que acho mais interessante é que, nestas eleições, não se falou da ocupação – foi totalmente ignorada. Os resultados indicam que a ocupação [da Cisjordânia e Jerusalém Oriental] não tem qualquer importância. Também não se falou do Irão. Nem das relações com os Estados Unidos. Nem da Primavera Árabe. Não! O mais importante, para os israelitas, é que alguns milhares de haredim [ultra-ortodoxos] não cumprem o serviço militar obrigatório.

Vejam o que Lapid escreveu no seu mural do Facebook: “Os meus princípios continuam os mesmos: partilhar o fardo [da tropa], preocupação pela classe média, em relação à educação e à habitação, e mudar o sistema parlamentar.”

Entre o rio e o mar, estes são os temas mais prementes, segundo Lapid. É compreensível. Os zouabis não têm realmente grande importância. A única vantagem que vejo em desvalorizar a questão de palestinianos/segurança/medo é a de que pode, na realidade, abrir um caminho para avançar. Sempre acreditei que é benéfico, de certo modo, não abordar o assunto, porque quando ele se torna central perde importância – ou seja, talvez a necessidade de ocupar [mais território palestiniano, para expandir os colonatos judaicos] se torne menos importante, e um compromisso possa ser mais viável.

Igualmente importante é que, apesar de Netanyahu ter querido vender o medo durante a campanha eleitoral, os israelitas não o compraram. Eles só estão preocupados com os seus bolsos. E com os preguiçosos haredim.
Graças a Deus que não somos um país normal!

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