Shulamit

Não minimizo o sofrimento da população de Gaza, mas qualquer analogia com o genocídio nazi tem apenas um nome: anti-semitismo.

Shulamit (nome fictício) é mãe de três filhos. Vive no Sul de Israel, não muito longe da Faixa de Gaza. Há muito que o seu dia-a-dia deixou de ser determinado pelo seu horário de trabalho ou pela campainha da escola dos filhos. O que marca os seus dias é o som das sirenes. As sirenes que a obrigam a correr com os filhos até ao abrigo mais próximo, interrompendo, ao longo do dia e da noite, qualquer tipo de actividade ou descanso.

Há anos que é assim: escolas com funcionamento intermitente, actividade económica constantemente interrompida, crianças traumatizadas pelo estrondo dos mísseis vindos de Gaza espalhando o pânico, vidas bloqueadas pelo medo.

Mas Shulamit e a sua família continuam vivas. Milagre? Precaução por parte do Governo de Gaza, liderado pelo Hamas? Todos sabemos a resposta: não morrem mais civis em Israel devido exclusivamente ao esforço do Estado judaico na protecção dos seus cidadãos. Todas as casas, todos os prédios, todas as aldeias, vilas e cidades têm abrigos individuais e colectivos. Mas isso não seria suficiente sem o sofisticado antimíssil desenvolvido por Israel que intercepta e faz explodir no ar os mísseis e rockets inimigos. Sem este sistema de defesa, cujo sucesso ronda os 85%, seria incalculável o número de mortes causadas pelos cerca de 2 mil mísseis lançados apenas nestes últimos 15 dias pelo Hamas.

Mas, para as boas almas, quem não morre é sempre culpado. Não lhes ocorre perguntar por que motivo os túneis que percorrem toda a Faixa de Gaza, e nos quais o Hamas gasta os milhões que recebe dos seus amigos árabes, servem não para a protecção da sua população mas para abrigar os lança-rockets ou para tentar infiltrar os seus militantes até território israelita para cometerem atentados terroristas. Ainda hoje, segunda-feira, dia em que escrevo, foram descobertas várias dezenas de túneis que penetram em território israelita, um dos quais terminava no subsolo do refeitório de um kibutz. Não ocorre a essas almas de consciência tranquila perguntar por que motivo o Hamas enterra as suas instalações militares em casas, em hospitais, em escolas – como recentemente foi denunciado pela UNRWA, a agência da ONU para os refugiados palestinianos. Não lhes ocorre perguntar por que razão desde 2005, data em que Israel evacuou Gaza, em vez de se dedicarem a construir uma vida para os seus cidadãos, consagram todos os seus esforços e dinheiro a tentar destruir a dos israelitas.

Mas talvez a própria população de Gaza se coloque ela própria essas questões: um inquérito feito a palestinianos de Gaza e da Cisjordânia pelo Washington Institute for Near East Policy, e cujos resultados foram publicados pelo jornal israelita Haaretz de 30 de Junho, revelava que, entre os palestinianos dos dois territórios, e principalmente entre os de Gaza, Mahmoud Abbas era muito mais popular do que Ismail Haniyeh, líder de Gaza; o primeiro com 32,4% de apoio, o segundo apenas com 11,7%. O mesmo inquérito revelava também que a grande maioria da população de ambos os territórios era a favor de uma “resistência popular” – manifestações e greves – em vez da utilização da violência, da qual é a primeira e principal vítima.

Porque é disso que se trata. Não tenho a menor dúvida em reconhecer que, neste conflito sem fim, a população de Gaza é a principal vítima. Que a morte de civis, e sobretudo das crianças, é insuportável. Mas é preciso dizer com toda a clareza que os civis de Gaza são vítimas em primeiro lugar do Hamas, que os expõe, utiliza e instrumentaliza, certo como está de que são os números e as imagens de morte e destruição que impressionam as mentes compassivas ocidentais – embora, reconheça-se, de forma algo selectiva, porque já a mesma compaixão deixa um pouco a desejar quando se trata de sírios, iraquianos, cristãos massacrados ou meninas africanas e indianas violadas…

“Holocausto”, “genocídio”, “limpeza étnica”, “racismo” e “apartheid”, as acusações a Israel são fáceis e sem custo para quem o preconceito, o ódio e a ignorância deliberada comandam a vida. E não, senhor embaixador Fernando Neves, não há nenhuma similitude entre a realidade do Holocausto nazi e a de Gaza e qualquer analogia, seja ela qual for, é abusiva e insustentável. A diferença essencial não está apenas nas imagens, nos olhares, nem sequer nos números: está na intenção dos seus autores. E essa não é apenas uma diferença, é um abismo intransponível. Será ainda necessário repetir que o plano nazi era o de eliminar um povo da face da terra, na sua totalidade, enquanto o objectivo de Israel é eliminar, não a população palestiniana, mas sim a infra-estrutura militar inimiga? E, quer queiramos quer não, apesar das trágicas perdas de vida humanas em Gaza, as consequências práticas são radicalmente diferentes: basta lembrar que o povo judeu foi amputado de 2/3 da sua população europeia. Felizmente, é o contrário que se passa com a população palestiniana.

Repito: não minimizo o sofrimento da população de Gaza, mas qualquer analogia com o genocídio nazi – que se tornou hoje símbolo e referência máxima do mal absoluto – tem apenas um nome: anti-semitismo. Não é por acaso que nos ataques e manifestações contra Israel que se têm vindo a agravar assustadoramente em países como a França, a Bélgica, a Inglaterra e até a Alemanha, são sempre atingidos alvos judaicos humanos e materiais, não poupando pessoas, sinagogas ou museus. Em França, só numa semana, oito sinagogas foram alvo de ataques…

 “Uma coisa é certa”, escreve o historiador e antigo embaixador de Israel em França, Elie Barnavi, “o destino dos judeus foi sempre o teste infalível da saúde moral de uma nação”. É um bom tema de reflexão…

Especialista em assuntos judaicos

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