Será que "tudo vai acabar em pizza"?

Quando os brasileiros querem dizer que uma investigação não vai dar em nada, dizem que “tudo acaba em pizza”. Um dia depois de ter estado na Praça Taksim, em Istambul, na semana passada, um turco contou-me que os seus compatriotas de todo o país estavam a encomendar pizzas para as enviar para os manifestantes. E que até receberam pizzas que tinham sido encomendadas no Brasil.

Hoje é justamente esta a pergunta que está na cabeça dos brasileiros - “Será que tudo vai acabar em pizza?” - depois do recuo dos municípios no aumento dos transportes e no dia em que os jovens prometem levar às ruas mais de um milhão de pessoas em todo o país.

O movimento, que está a surpreender os políticos, os media e analistas, tem algumas características únicas. Não tem uma liderança. É pulverizado e contamina (no bom sentido). É apartidário. Quando bandeiras de partidos aparecem no meio dos protestos, os manifestantes pedem que as retirem. Não tem uma reivindicação única. A esta altura, os vinte cêntimos do aumento de transportes não são claramente a razão que leva os milhares de manifestantes às ruas. O objectivo não é derrubar o Governo. É pacífico, apesar de a imprensa mostrar os actos de violência. São isolados. É um movimento que nasceu em rede, nas redes sociais, de uma geração que não conhece o mundo sem Internet. E não precisa da mediação de políticos nem jornalistas. Fazem as próprias transmissões em streaming em directo pela Internet (na pós TV).

Há muitas reivindicações nas ruas: contra a corrupção, os serviços precários de saúde, educação e transportes, a inflação, o alto custo de vida, o investimento para fazer o Mundial e os Jogos Olímpicos. Mas há ainda, entre os cartazes dos manifestantes, os contra a PEC 37 - pouco ou nada divulgado em Portugal.

A PEC 37 é uma proposta de emenda constitucional ao artigo 37 que retira o poder de investigação do Ministério Público. Entre 2010 e 2013, o Ministério Público foi responsável por 15 mil acções penais, entre elas, as de corrupção que envolvem políticos e a polícia; casos mediáticos como o Mensalão (que envolveu membros do Governo Lula) ou o de Paulo Maluf, antigo governador e presidente da câmara de São Paulo. A votação da proposta que estava marcada para o início da semana que vem foi, nesta quarta-feira à noite, adiada a pedido do Governo com receio de que aumentasse ainda mais a indignação nas ruas.

No país do futebol é inédito que, em dia de jogo da selecção, o povo vá para a rua protestar contra estádios caríssimos. Os jovens mostram uma lucidez ímpar como vimos no depoimento ao PÚBLICO da jovem Clarissa Cogo, de 24 anos - os protestos “não vão mudar o país para a semana que vem, nem para as próximas eleições e, talvez, nem para os próximos dez anos”. Mas “talvez clarifiquem na mente da população brasileira o quanto ela é excluída do sistema”.

Estou há 15 anos longe do Brasil e hoje, confesso, despertei a pensar em pizzas. Na brasileira e nas da Praça Taksim que em comum têm a frustração de uma nova classe média que surge nestes países de economias emergentes e que não está a ser atendida nas suas elevadíssimas aspirações e sonhos. Contra os pessimistas que acham que um movimento sem partido, sem liderança única, jovem, pulverizado, que nasceu na Internet, não tem pernas para andar, prefiro acreditar nas palavras da Clarissa e numa geração que é diferente de nós, mas que talvez encontre um caminho para que nem “tudo acabe em pizza”.
 
 
 
 
 
 
 
 

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