Será a Grécia o “cavalo de Tróia” russo na UE?

A russofilia sempre foi forte na Grécia. Moscovo felicita-se pela vitória do Syriza. Os analistas prevêem uma maior cooperação entre os dois países. Mas parece irrealista falar numa aliança greco-russa.

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A proximidade não é nova: Putin tinha recebido apoio de Tsipras à sua política ucraniana em 2014 Alexei Druzhinin/Reuters

O Presidente russo, Vladimir Putin, convidou ontem o novo primeiro-ministro grego, Alexis Tsipras, a visitar Moscovo no dia 9 de Maio, em que a Rússia celebra a vitória na II Guerra Mundial. Tsipras aceitou o convite. Noutro contexto, isto não seria notícia, apenas rotina diplomática. Mas no actual braço-de-ferro entre Atenas e a UE e com a escalada militar na Ucrânia tem valor simbólico. Será Atenas o “novo cavalo de Tróia” da Rússia na UE? Está à vista uma drástica mudança das alianças? São questões com muita retórica mas, também, com uma dose de História.

Nunca o Syriza escondeu a sua simpatia pela Rússia ortodoxa nem as suas reservas perante a NATO. Numa visita à Rússia, em 2014, Tsipras apoiou a política ucraniana de Putin. No Parlamento Europeu, votou sempre contra as decisões da UE sobre a Ucrânia. O embaixador russo em Atenas foi o primeiro estrangeiro a ser por ele recebido.

O primeiro confronto surgiu após a tomada de posse do novo governo. Vários ministros fizeram a ameaça de bloquear o alargamento das sanções à Rússia por causa da Ucrânia. O Financial Times escreveu que Tsipras tinha lançado “uma granada contra Bruxelas”. A revista Foreign Policy sublinhou bombasticamente que “Putin é o grande vencedor das eleições gregas”, na medida em que passa a dispor de um novo aliado para dividir a UE.

Posteriormente, o governo grego rectificou a sua posição sobre as sanções. O ministro das Finanças, Yanis Varoufakis, desarmadilhou o conflito declarando que o problema era outro: Atenas não fora consultada. Na quarta-feira, depois de uma reunião com o secretário-geral da NATO, Jens Stoltenberg, o ministro da Defesa, Panos Kammenos, esclareceu que Atenas vai “continuar a ser membro da Europa e da NATO”, sem prejuízo duma maior cooperação com Moscovo. Admitiu um “acordo energético” com a Rússia, que prevê construir um gasoduto que atravessará o Mar Negro passando pela Turquia e desembocando na Grécia.

Retórica e russofilia
O economista Theocharis Grigoriadis explicou que as tiradas pró-russas de vários ministros “são mais retórica do que outra coisa”. Acrescentou que o novo governo as utiliza como argumento para fazer pressão sobre os outros países europeus. Nada indica que o Syriza tencione bloquear uma iniciativa concreta da UE contra a Rússia. Mas pode ser uma arma: se Bruxelas não ceder na questão da dívida Atenas poderá fazer obstrução noutras questões sensíveis, conclui Grigoriadis.

A aliança do Syriza com o partido nacionalista ANEL reforçou a russofilia de Atenas. O seu líder, Panos Kammenos, é um apologista da Rússia de Putin com a qual a Grécia partilharia “valores civilizacionais” fundados na herança do cristianismo ortodoxo. Antes das eleições, denunciou as sanções europeias tal como fez declarações ambíguas sobre a NATO e um realinhamento das relações internacionais de Atenas.

O ministro dos Negócios Estrangeiros, Nikos Kotsias, é outro destacado russófilo. É admirador do russo Alexandre Dugin, ideólogo da corrente euroasiática e adepto da “reconquista” da Ucrânia. Dugin defendeu, em Atenas, que a Grécia poderia “refazer a arquitectura europeia” dinamizando um “pólo oriental da identidade europeia” dentro da UE.

Sendo historicamente fortes os laços entre os dois países, Atenas poderia jogar a “carta russa” nas negociações da dívida. Acontece que a crise financeira que atinge Moscovo a depreciou. Em Atenas, fala-se numa proposta russa de financiamento, talvez de cinco mil milhões de euros, o que não pesa decisivamente na negociação mas teria um forte efeito político.

O peso da História
As relações entre a Grécia, os EUA e a Europa atravessaram fases críticas. Observou em 2011 o historiador George Prevelakis que a crise grega abria o risco de uma “regressão” anti-europeia e anti-ocidental. “A massa da população pode facilmente cair em atitudes anti-europeias e anti-ocidentais mais ou menos justificadas por raízes históricas de azedume (a começar pelo cisma do século XI, pelas cruzadas da Idade Média e a acabar na ocupação nazi nos anos 1940). O Partido Comunista Grego, um dos raros partidos deste tipo que sobreviveu, deve a sua influência muito mais ao ressentimento anti-ocidental do que à ideologia marxista.”

Depois da guerra civil grega (1946-49), os americanos ajudaram a derrotar os comunistas e apoiaram a reconstrução económica. Mas o seu apoio à “ditadura dos coronéis” (1967-74) provocou uma onda de anti-americanismo. Quando a ditadura caiu, era muito alto o risco de uma viragem anti-ocidental na Grécia, apressadamente integrada na CEE (1981). Andreas Papandreou, fundador do Pasok, alcançou o poder em 1981 cavalgando os sentimentos anti-ocidentais para depois se tornar no grande beneficiário da UE, montando um sistema clientelista através da distribuição dos fundos comunitários.

Uma nova “regressão” anti-europeia mudaria a geopolítica do Mediterrâneo e constituiria um fracasso para a UE, insiste Prevelakis. “A China e a Rússia desenvolvem as suas redes e a sua influência no Chipre e na Grécia.”

O escritor russo-ucraniano Vladimir Fedorovski aconselha prudência quanto a cenários extremos. “É preciso não exagerar nem subestimar a cooperação actual [entre a Grécia e a Rússia]. Penso que não se tratará de uma mudança radical, mas haverá certamente uma cooperação mais avançada entre a Grécia e a Rússia, o que vai pesar do ponto de vista diplomático. (...) Irá a Grécia até ao ponto de executar a ameaça de mudança de rumo e romper a solidariedade com a UE? Não creio. De momento permanecerá ao lado da UE. A aliança entre a Rússia e a Grécia vai funcionar essencialmente no plano diplomático e não necessariamente de forma definitiva.”

O futuro das relações greco-russas dependerá do resultado da negociação entre Atenas e os credores, conclui o economista Dimitris Sourvanos. E, neste ponto, não esqueçamos que Tsipras e Varoufakis ainda não mostraram o seu jogo. Frisam os politólogos mais realistas que o Syriza não tem ainda uma política externa, o que exige tempo. 

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