Sem paixões, com bom senso, a Grécia

Trata-se de um bom acordo para a Grécia, a zona euro e a União Europeia, mas não se cura decerto de um bom acordo para o Governo do Syriza, que acabou por ceder em toda a linha.

1. O princípio de acordo obtido na última sexta-feira no quadro do Eurogrupo representa um bom acordo para a Europa e um bom acordo para a Grécia. Trata-se, para já, de um simples princípio de acordo, sujeito à validação da lista de medidas que hão-de caucionar a extensão do programa por quatro meses. O que quer dizer que, mesmo que agora corra tudo bem, o problema grego vai acompanhar-nos e pode deflagrar dentro de pouco tempo.

Trata-se então de um bom acordo para a Grécia, a zona euro e a União Europeia, mas não se cura decerto de um bom acordo para o Governo do Syriza, que acabou por ceder em toda a linha, sem nenhum ganho de causa minimamente significativo. Entre os incontáveis e intrépidos admiradores do Syriza e das suas proclamações, agora já desprovidos das magnas causas do perdão da dívida e da sua renegociação, há quem reclame três vitórias principais: o fim da troika tal como a conhecíamos, o ganho de alguma flexibilidade na definição das metas do saldo orçamental e a possibilidade de uma definição pelo Governo grego das medidas de cumprimento das metas fixadas. Convém, sem paixões e com bom senso, averiguar da consistência de tais vitórias.

2. No que respeita ao fim da troika, não há nenhum triunfo a assinalar. Como aqui escrevi faz 15 dias, de há muito que era consensual que o modelo da troika — especialmente por pôr altos funcionários das instituições em diálogo directo (e até em “supervisão”) de responsáveis políticos, democrática e institucionalmente legitimados estava obsoleto e tinha de ser substituído. Para a tomada de consciência dessa posição, foi decisivo, sem dúvida, o relatório do Parlamento Europeu sobre a matéria. Mas, curiosamente, seja no espaço público e parlamentar (lembre-se a crítica de Vítor Gaspar à hipocrisia institucional do FMI), seja nos corredores de Bruxelas, foram os governos português e irlandês que mais contribuíram para dar credibilidade à disfuncionalidade deste modelo. Quem conhece os meandros da vida europeia, sabe até que foram os actuais comissários português e irlandês que, já há meses largos, convenceram Jean-Claude Juncker da vantagem de alterar o esquema de relacionamento das instituições credoras com os países sobre ajustamento.

Importa, no entanto, e a este propósito, pôr as coisas no seu lugar. Antes do mais, convém recordar que a existência das troikas nunca impediu que os responsáveis políticos de cada país tivessem um diálogo directo com os líderes políticos das instituições (a começar pelo presidente da Comissão, mas também com os presidentes do BCE, do FMI, do Eurogrupo e do Conselho Europeu). De resto, os primeiros-ministros e os ministros das Finanças sempre mantiveram um canal igualmente directo com os seus pares no Ecofin e no Conselho. Em todo o caso, a omnipresença das troikas com o estatuto de interlocutor era de, facto, um obstáculo a alterações e adaptações dos programas, porque os altos funcionários podiam sempre entrincheirar-se na “falta de mandato” para conservar os seus ditames e, por sua vez, os líderes políticos das instituições podiam sempre refugiar-se num “razoável desconforto” para desautorizar a troika.

Há, todavia, um efeito contraproducente da saída de cena das troikas, que o novo Governo grego já experimenta na pele. Quanto mais se desloca a força negocial para as instituições propriamente ditas e para os seus responsáveis políticos, mais se vai fazer sentir a “pressão individual” de cada Estado. Uma coisa é discutir com a troika e fechar um “pacote de medidas” para levar ao Eurogrupo, outra é discutir o próprio “pacote” no Eurogrupo e ter de negociar com mais 18 Estados e as suas vontades singulares… É evidente que à boleia das instituições vão aparecer os Estados-membros. E os Varoufakis deste mundo vão insinuar que têm razão de queixa, não apenas dos grandes, mas também da Eslováquia, da Finlândia, da Espanha, de Portugal, dos bálticos, da Holanda, etc.

3. A ideia de que se ganhou alguma flexibilidade na definição das metas do défice ou do superavit ou até noutras não passa de pura ilusão de óptica. Todos os países sob programa incluindo a Grécia nas suas anteriores encarnações pediram e obtiveram modificações de metas em função dos resultados que iam obtendo e da monitorização das conjunturas. Portugal é disso um bom exemplo. De resto, antes mesmo de qualquer negociação, a União Europeia tinha esclarecido que, não aceitando nenhum perdão ou renegociação, sempre poderia usar de alguma flexibilidade. Desconfio bem que Samaras seria capaz de conseguir uma alteração mais ambiciosa do que aquela que vai obter Tsipras.

4. A outra ideia de que a nova Grécia conseguira agora passar para o seu lado a definição exacta das medidas a adoptar, capacidade em que antes estava investida a troika, pertence outrossim ao domínio da ficção. Primeiro, porque está excluído o carácter unilateral das medidas. Depois, porque os Estados sob ajustamento sempre puderam propor e definir medidas, conquanto estas fossem aceites pelos credores. E, finalmente, nas outras experiências, houve sempre substituição de medidas por provisões de efeito equivalente a pedido dos devedores (lembre-se a querela do IRC irlandês ou as consequências das decisões do nosso Tribunal Constitucional).

5. A leitura desapaixonada e de bom senso também recomenda recato e prudência do lado das instituições e dos Estados credores. Schäuble não devia qualificar as escolhas do povo grego, Juncker podia esconjurar a troika sem ter que falar em indignidades dos povos, o Governo português podia ser mais caloroso e efusivo na recepção de um princípio de acordo que muito nos beneficia (como se vê pela reacção dos mercados). E, do outro lado, Tsipras podia evitar a diabolização da Alemanha e dos seus dirigentes e devia, acima de tudo, pôr de lado a caixa de Pandora das indemnizações da II Guerra Mundial.

Para já, é tempo de suster a respiração e suspirar… A emissão quiçá o programa…  segue dentro de momentos.

SIM e NÃO

SIM. Vital Moreira. A posição sobre o TTIP e a pedagogia que tem feito sobre a crise grega, sem clubismos, sem perder a referência ideológica e o espírito crítico, merecem elogio de correligionários e de adversários.

NÃO. Ministério da Agricultura. A ausência da Expo Universal de Milão, dedicada à alimentação, é uma decisão incompreensível num país que aposta nos sectores agro-alimentar e turístico.

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