Sem acordo à vista, ganha força a hipótese de prolongar negociações nucleares

Prazo para um entendimento definitivo expira nesta segunda-feira. Sem notícias de concessões significativas, manter em vigor o acordo interino é o "menor dos males".

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Manifestação a favor do nuclear em Teerão ATTA KENARE/AFP

Ninguém quer deitar a toalha ao chão e admitir que não será ainda desta vez que o acordo que permitiria ultrapassar as suspeitas sobre o programa nuclear iraniano e mudar a paisagem política no Médio Oriente será assinado. Mas com o tempo a esgotar-se e sem que nenhuma das partes tenha cedido em aspectos essenciais, é cada vez mais provável que o Irão e as potências internacionais optem pelo menor dos males: prolongar a validade do acordo interino assinado há um ano, mantendo vivas as negociações.

Em Viena, as reuniões, conversas em privado e as discussões técnicas sucederam-se a um ritmo frenético durante todo o dia de domingo, véspera de expirar o prazo fixado pelo Irão e o Grupo 5+1 (os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança, a que se junta a Alemanha) para chegarem a um entendimento definitivo.

O secretário de Estado norte-americano, John Kerry, reuniu-se por duas vezes com o ministro dos Negócios Estrangeiros iraniano, Mohammad Javad Zarif (foram seis os encontros em quatro dias), recebeu ao final da tarde o chefe da diplomacia russa, Sergei Lavrov (que foi a Viena apesar da hostilidade que a crise ucraniana alimenta entre Moscovo e os ocidentais) e jantou com os três homólogos europeus. Pelo meio conversou ao telefone com os aliados árabes e o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, para os manter a par do andamento das negociações que todos encaram com desconfiança. Mas de nenhuma das conversas – cujo conteúdo é mantido em segredo – saiu qualquer sinal de que um acordo esteja mais próximo do que quando as delegações começaram a chegaram a Viena.

De forma cada vez mais aberta, as delegações admitem que “continuam a existir divergências importantes”, apesar de insistirem que nada está fechado. E a coberto do anonimato o pessimismo instala-se. “Tendo em conta o pouco tempo que falta até ao final do prazo e a quantidade de assuntos que precisam de ser discutidos e resolvidos é impossível chegar a um acordo” até à meia-noite de segunda-feira, disse um membro da delegação iraniana citado pela agência estatal Isna, numa avaliação que foi secundada por um diplomata europeu ouvido pela Reuters.

Ao final do dia, um diplomata norte-americano citado pelas agências internacionais, adiantou que no encontro da tarde, Kerry e Zarif discutiram pela primeira vez a possibilidade de estender as negociações. “Continuamos concentrados em discutir medidas com vista a um acordo, mas a 24 horas do prazo é natural que estejamos a discutir um leque de opções”, explicou.

Temas de bloqueio

Os temas que bloqueiam um consenso são os mesmos desde que as negociações arrancaram, meses depois do acordo preliminar assinado em Novembro de 2013, o primeiro em 12 anos de diferendo, e que levou ao levantamento de uma fracção das sanções adoptadas contra o Irão, que em troca suspendeu parte do seu programa nuclear.

O objectivo central do Grupo 5+1, sobretudo dos países ocidentais, é garantir que o Irão, se assim o decidir, demorará mais tempo a fabricar armas nucleares do que o tempo necessário para montar uma resposta internacional – a previsão actual é que os cientistas iranianos precisam de apenas seis meses para enriquecer urânio na quantidade e concentração necessária ao fabrico de uma bomba. Para limitar a ameaça, os ocidentais querem que Teerão abdique de grande parte das suas 19 mil centrifugadoras; o regime iraniano insiste que o seu programa tem fins exclusivamente civis e recusa restrições que ponham em causa a sua capacidade para produzir energia nuclear.

O outro obstáculo centra-se no ritmo a que as sanções aplicadas ao país serão levantadas em caso de acordo. A exportar metade do crude que vendia antes das medidas adoptadas pelo Ocidente (e a preços muito abaixo dos praticados nos últimos anos), o Irão quer um fim rápido do cerco que asfixia a economia do país. Europeus e americanos estão dispostos a extinguir no prazo de meses as medidas unilaterais com que atingiram o sector petrolífero e a banca iraniana. Mas dizem que o Irão só conseguirá o fim das sanções aprovadas pela ONU desde 2006 (e que visam pessoas e entidades ligadas ao programa nuclear) à medida que for cumprindo o que ficar estabelecido.   

À partida para esta última ronda, as expectativas alimentavam-se da noção de que, pela primeira vez em muito tempo, tanto os iranianos como os norte-americanos estavam empenhados num acordo, com benefícios para ambos – para o Irão, o fim do isolamento e o alívio da asfixia económica; para a Administração Obama um trunfo político, que resolveria uma fonte de instabilidade e lhe daria maior liberdade para cooperar com Teerão na luta contra o Estado Islâmico. Fontes iranianas garantiam que o Líder Supremo do Irão, o ayatollah Ali Khamenei, tinha dado luz verde ao Presidente Hassan Rohani para chegar a um acordo definitivo, apesar dos protestos cada vez mais audíveis da oposição conservadora. O Presidente norte-americano sabe, por seu lado, que em Janeiro perde o controlo do Senado e que os republicanos ameaçam reforçar as sanções ao Irão em caso de impasse.

Neste contexto, as duas partes sabem que ao adiarem um acordo estão a torná-lo mais difícil de obter num futuro próximo. Numa derradeira pressão, Barack Obama avisou o regime iraniano que “tem a comunidade internacional toda do seu lado, enquanto eles estão sozinhos”. O regime iraniano permitiu uma rara manifestação contra a forma como estão a ser conduzidas as negociações nucleares. No entanto, estão ambos conscientes que manter o acordo preliminar válido por mais alguns meses (ou mesmo um ano) é, como dizia um diplomata iraniano “o menor dos males”. Muito pior seria o regresso do “clima de confrontação”, com o Irão “a responder a novas sanções intensificando o seu programa nuclear”.
 

   

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