"Sem a política de resgate, a maioria dos países optaria por uma saída do euro"

Entrevista com Bernd Lucke, fundador do partido Alternativa para a Alemanha

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"Penso que todos os países devem ser livres de tentar a sua forma particular de felicidade" Miguel Manso

Portugal e os países em crise estariam melhor fora do euro, e a Alemanha beneficiaria de estar num núcleo mais pequeno ou mesmo com uma moeda nacional, defende Bernd Lucke, professor de Economia da Universidade de Hamburgo e número um na lista do partido Alternativa para a Alemanha às eleições europeias. Surgida em Abril do ano passado, a AfD ficou a pouco de conseguir um deputado no Parlamento alemão em Setembro, e tenta agora conseguir representação no Parlamento Europeu. Lucke esteve em Lisboa para uma conferência organizada pelo movimento de defesa da saída do euro Portugal Independente.

Quando começou a achar que havia algo errado com a moeda única?

Fui um defensor do euro quando foi introduzido, mas dentro das cláusulas de Maastricht e de
no bailout [sem resgates], por isso fiquei desencantado com as políticas seguidas depois de 2010. 

O que propõe exactamente?

O que proponho é que descontinuemos os resgates e que deixemos cada país escolher livremente se quer manter-se no euro ou não. E a minha expectativa é que sem a política de resgate a maioria dos países optaria por uma saída do euro.
 

Isso deixaria apenas alguns países na zona euro?

Sim.
 

Mas já defendeu o fim do euro. E a saída destes países não levaria de qualquer modo provavelmente ao fim do euro?

Pode ser. Isso dependeria de uma decisão de França. A França está com grandes problemas económicos relacionados com as pressões de competitividade do euro. Se os franceses decidirem que devem manter-se no euro sob a premissa de que não haverá resgates de bancos franceses, acho bem. Mas imagino que não o fariam, e acabaremos ou como um núcleo muito pequeno de moeda única ou com um regresso a moedas nacionais.
 

Sendo a economia alemã baseada nas exportações, e sendo 40% das exportações para países da zona euro, o fim do euro não seria um problema económico para a Alemanha?

Só cerca de 12% das exportações alemãs vão para os países mediterrânicos. Com uma apreciação da moeda alemã, há muitos factores que jogam a favor das empresas alemãs, um é que o poder de compra aumenta, o outro é que os países mediterrânicos do Sul teriam um
boom económico com o recomeço do crescimento e isso resultaria também em maior procura para os bens alemães. 

Mas na conferência argumentou que, num cenário de saída dos países do Sul, a desvalorização da moeda dificultaria as importações, estimulando a procura pela produção nacional. Assim, como importariam mais?

Se há um aumento de rendimento, então os consumidores vão comprar mais tanto de produtos nacionais como estrangeiros.
 

Qual seria o custo para a Alemanha de uma saída do euro?

Custos em termos de quotas de mercado mais baixas em exportação seriam compensados no mercado interno. E não teríamos de nos envolver em políticas de resgate, que são agora quantias de cerca de duas vezes mais o nosso orçamento federal.
 

Uma análise do Instituto Bertelsmann diz que entre 2013 e 2025 a Alemanha perderia 0,5% do PIB por ano se não estivesse no euro, o que corresponde a 1,2 biliões (milhões de milhões) de euros e 200 mil empregos. O que acha destes dados?

Não acredito, nem acho que este tenha sido um estudo científico, porque não diz que modelo foi usado e como chegaram a esta conclusão. É parte dos instrumentos de propaganda usados pelo Governo.
 

O ano passado, o resultado das eleições alemãs foi visto como uma vitória do modelo de gestão da crise do euro de Angela Merkel. Concorda?

Concordo que houve uma grande vitória da chanceler, não poderíamos esperar algo muito diferente, porque a coligação e a oposição estão unidas no apoio a estas políticas. Isso não quer dizer que as políticas estão certas, apenas que o público não está bem informado sobre as opções. Mas para um novo pequeno partido, obtivemos 4,7%, o que foi um resultado espectacular, e esperamos conseguir mais nas eleições europeias. A última sondagem dava-nos 7%.
 

Se eleger deputados no PE, o partido planeia começar como observador e não se juntar a um grupo?

Provavelmente. Não creio que esta seja uma questão urgente.
 

Excluiu à partida a Frente Nacional de Marine le Pen e o PVV de Gert Wilders.

Sim, definitivamente não colaboraremos com eles.
 

E o britânico UKIP?

Penso que não, porque há questões sobre as quais temos pontos de vista muito diferentes, uma delas é a posição da Grã-Bretanha na União Europeia, o UKIP é a favor da saída da Grã-Bretanha da União Europeia, e nós queremos o contrário, queremos que continuem e que o mercado comum seja preservado na forma actual.
 

Alguns membros do seu partido gostariam de uma aliança com o UKIP.

Temos tido algum debate, mas acho que é muitas vezes uma questão emocional, o UKIP é visto como parecido connosco, porque são
anti-establishment e, claro, têm muito sucesso na Grã-Bretanha. Não digo que não conversemos, mas não me parecem um aliado natural. 

Como um novo partido na direita do espectro alemão, têm especial cuidado com a possível entrada de extremistas, ou de ex-membros do NPD?

A última parte da sua questão é correcta, tentamos que ninguém entre com opiniões de extrema-direita. Mas a primeira parte não é, porque não somos um partido de direita. Economicamente somos liberais, somos conservadores em termos de política de família, sociais-democratas em termos de segurança social.
 

É de opinião que a divisão da Europa reflecte a diferença de ética de trabalho dos países do Norte e do Sul?

Digo que há mentalidades diferentes. E daí podem resultar diferentes atitudes em relação ao trabalho. Penso que todos os países devem ser livres de tentar a sua forma particular de felicidade, quer dizer, há um
trade-off [relação] entre rendimento e lazer, entre esforço de trabalho e bem-estar, mas penso que cada país deve decidir por si próprio que tipo de trade-off quer. Isso agora não é possível por causa da pressão competitiva do euro, que requer que cada país tenha o mesmo tipo de esforço de trabalho para ser competitivo. 

Está a dizer que as pessoas em Portugal querem trabalhar menos?

Não conheço Portugal suficientemente bem para fazer um julgamento sobre isso. Mas na conferência ouvi o sr. Wolfgang Kemper [empresário da Filkemp] elogiar os trabalhadores portugueses pela sua diligência e ele certamente conhece melhor o país. Um país que conheço bastante bem é Itália, e diria que a atitude de trabalho no Sul é muito diferente da da Alemanha.
 

E porque é que estes trabalhadores destes países se dão bem na Alemanha?

Fazem-no? Não tenho a certeza. Há por vezes alguma adaptação. Se toda a gente fizer uma sesta, então também posso fazer uma sesta. Mas gostava de sublinhar que falo de cultura como algo do país, não uma característica genética.
 

Falando de imigração, um tópico importante para estas eleições europeias. Há quem defenda restrições à liberdade de movimento, na Alemanha discute-se o perigo do “turismo social”. Qual é a sua posição?

Penso que a Europa não seja nada como o
melting pot dos EUA ,onde as culturas estão simplesmente fundidas e as culturas antigas se perdem a favor desta nova. Se não queremos isso, temos de assegurar que nenhuma população se sinta forçada a sair do seu país porque o seu país não lhe dá as perspectivas económicas. Isso é diferente do direito de movimentação livre pela UE, quando alguém quer ir para outro local onde há um emprego que realmente querem. Penso que o problema não é tanto para os países que os recebem, porque beneficiam de ter estes trabalhadores, mas um perigo para Portugal, que tem problemas com a sustentabilidade do seu serviço social, etc. 

O slogan do partido nas últimas eleições era “coragem para a verdade” e nestas é “coragem para a Alemanha”. Porquê?

Devido à nossa história, os alemães estão sempre relutantes a falar dos seus interesses. Por isso, tendem a dizer que é tudo para o bem da Europa. Penso que, dado os desafios da política europeia dos últimos quatro anos, os desenvolvimentos afectam os interesses alemães, e não há razão para esconder os interesses, os outros países também não os escondem.

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