“Sei o que Fizeste no Verão Passado”... Ou não

Qual de nós nunca escreveu o próprio nome no Google e se deparou com informação – um comentário infeliz, uma fotografia ultrapassada, uma opinião já não perfilhada – que gostaria de ver suprimida? E qual de nós, antevendo os obstáculos que encontraria, não desistiu à partida de a tentar eliminar? Não desista, diz o Tribunal de Justiça da União Europeia. Tem o direito a ser esquecido na Internet. Boas notícias?

A memória persistente e tentacular da Internet facilita a auto e heteroavaliação pessoal à distância de um clique: qualquer internauta, diariamente, se avalia a si próprio e aos outros com base nos resultados de pesquisas em motores de busca como o Google. Mas numa era em que a principal plataforma de comunicação entre seres humanos tudo regista e nada esquece, o internauta comum tem dificuldades em escapar ao passado. Mario Costeja González era um desses internautas.

Em Fevereiro de 2010, Mario Costeja González contactou a Google, pedindo que eliminasse, da lista de resultados da pesquisa pelo seu nome, links para duas páginas do jornal La Vanguardia, de 1998, com anúncios relativos a uma venda de imóveis em hasta pública para o pagamento de dívidas à Segurança Social – dívidas que Mario havia entretanto pago.

O caso chegou ao Tribunal de Justiça da União Europeia, que declarou, surpreendentemente, que o operador do motor de busca é responsável pelo tratamento dos dados pessoais contidos nas páginas web que indexa. A surpresa advém não tanto do facto de a decisão ser contrária às pretensões do gigante norte-americano, mas da sua total oposição ao parecer do Advogado-Geral – cuja função é assistir o Tribunal, que, na maioria dos casos, segue as suas conclusões – apresentado em Junho do ano passado.

O Tribunal entendeu que o operador do motor de busca é obrigado, em certas condições, a eliminar links para páginas, publicadas por terceiros, que contenham informações sobre a pessoa em causa que se afigurem, no caso concreto e tendo em conta o tempo decorrido, inadequadas.

A decisão é intuitivamente apelativa. Afinal de contas, quem não quer poder mandar a Google apagar o link para aquela fotografia que agora odeia? Mas as questões deixadas em aberto e as possíveis implicações negativas merecem uma reflexão mais atenta.

Na verdade, o operador não tem a obrigação de eliminar o link imediatamente, mas apenas de avaliar o pedido recebido, fazendo uma ponderação entre a privacidade do requerente e o direito de acesso à informação dos restantes internautas. Se decidir não apagar a ligação, poderá ainda, e aí sim, vir a ser obrigado a tal pela autoridade judicial ou supervisora competente. O link deixará de constar da lista de resultados, é certo, mas apenas na sequência de uma pesquisa efectuada a partir do nome da pessoa (“Mario Costeja González”). A pesquisa por outros termos (“imóveis em hasta pública”) poderá continuar a conduzir os internautas à informação indesejada.

Os riscos de o operador do motor de busca se ver sobrecarregado de pedidos deste género não devem ser ignorados: os custos associados à análise concreta e detalhada de cada caso poderão fazer com que o operador opte simplesmente por atender a todos os pedidos, com os perigos para a liberdade de expressão e para o acesso à informação que daí resultarão.

A decisão do Tribunal está em sintonia com a posição recente do Parlamento Europeu a respeito da reforma da legislação sobre protecção de dados. Reforma essa cuja grande novidade é a consagração do tão-debatido “direito a ser esquecido”... que, afinal, parece já existir à luz da legislação em vigor.

Mario Costeja González foi mais persistente que a persistente memória da Internet. Mas, para levar a melhor, teve que aceitar perpetuar as amargas recordações que queria obliterar, tornando-as, ironicamente, estandarte da sua vitória. Nós, os impersistentes, agradecemos.

Professor da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa

 

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