Segurança política passa a ser prioridade do Governo chinês

Na nova lei de segurança nacional tudo é mencionado, do espaço às revoltas internas. Os analistas dizem que preconiza um Estado "neo-autoritário sem complexos".

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A lei foi votada na Assembleia Nacional do Povo, em Pequim Jason Lee/Reuters

Os legisladores chineses aprovaram, na quarta-feira, uma lei de segurança interna que reflecte o novo papel do país no mundo, responde às reivindicações regionais e assume, pela primeira vez, que uma das prioridades é a segurança ideológica.

"A situação da segurança nacional da China tornou-se particularmente preocupante", disse à agência Nova China (Xinhua) a porta-voz da Assembleia Nacional, Zhang Shuna, resumindo que a nova lei responde às pressões externas sobre a "soberania nacional, a segurança dos interesses ligados ao desenvolvimento" e às "pressões para a manutenção da segurança política e social".

Esta última referência à "segurança política e social" é, segundo os analistas, uma das grandes novidades da lei de segurança interna que substitui a anterior, datada de 1993. Esta "segurança ideológica", destinada a preservar o sistema e a hegemonia do Partido Comunista, abre a porta à perseguição da liberdade de expressão e a todos os que tentem organizar reivindicações, diz o Le Monde.

Aquela passagem da lei, prossegue o correspondente em Pequim do jornal francês, Brice Pedroletti, que cita especialistas em política chinesa, reflecte um sentimento de perigo por parte das autoridades e dá-lhes uma resposta que pode ser chamada de "neo-autoritarismo sem complexos".

Criar um regulamento para a manutenção dos mecanismos do sistema político, social e económico tem sido uma das linhas de acção do Presidente Xi Jinping, que tomou posse em 2013, quando a China entrou numa nova fase da sua transformação económica, com um novo programa de reformas. A par delas, Xi avançou com políticas de controlo destinadas a evitar uma eventual progressiva erosão do sistema político assente no partido único.

As revoltas regionais — por exemplo dos muçulmanos uigures em Xinjiang — têm sido esmagadas, as reivindicações dos territórios que pretendem ter regras distintas têm sido anuladas (a longa revolta de Hong Kong por eleições verdadeiramente livres foi controlada e o assunto está de momento num impasse), as iniciativas dos grupos de activistas têm sido reprimidas (continua a ser proibido recordar Tiananmen, este ano mesmo um grupo de pessoas que reuniu em privado para assinalar o dia foi detido). E arrancou uma campanha contra a corrupção no partido que, ao mesmo tempo que pune os que roubam dinheiro público e enriquecem ilicitamente, elimina facções rivais da do Presidente Xi.

O pacote legislativo aprovado por 154 votos a favor e uma abstenção é muito vasto e toca uma infinidade de temas. O Governo vai agora regular uma série de áreas, por exemplo a luta contra o terrorismo e a presença de organizações estrangeiras no território chinês.

Os grupos de defesa dos direitos humanos alertaram para o facto de as alíneas serem muito vagas, deixando margem para múltiplas interpretações e para o livre arbítrio de quem aplica a lei (em algumas áreas, o Governo vai agora regulamentar). "A lei dá um cheque em branco para vigiar e castigar qualquer pessoa que não seja do seu agrado, como os defensores dos direitos humanos e os opositores", escreveu na sua conta no Twitter William Nee, da Amnistia Internacional.

O jornal britânico The Guardian diz que a nova lei de segurança nacional "não permite espaço para disputas, compromissos ou interferências" em relação às característica nucleares do sistema chinês e à "unidade" do território — Pequim considera seus territórios de países vizinhos no Mar do Sul da China com quem mantém disputas; como considera legítima a construção de ilhas artificiais em áreas marítimas contestadas.

A nova lei declara também que o ciberespaço e o espaço para lá da atmosfera terrestre também fazem parte dos interesses da segurança chinesa. Por isso, devem ser controlados. Na China a Internet já é controlada e as redes sociais não são abertas. O documento não especifica o que pretende o Governo chinês fazer em relação ao espaço para lá da atmosfera terrestre e à necessidade de o controlar; poderá estar a referir-se ao ciberespaço e a sistemas de comunicações como satélites.

Em resumo, a lei é apresentada como uma forma de "proteger os interesses fundamentais das pessoas", "a soberania" e o "desenvolvimento sustentado" da China.

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