Sauditas lançam guerra no Iémen para travar influência do Irão

Riad reuniu uma coligação de mais de dez países para tentar travar os avanços dos rebeldes xiitas huthis e salvar o Governo do Presidente Habi. No fundo, quer impedir a influência iraniana de se aproximar ainda mais do seu território.

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Tribo que apoiam os huthis numa manifestação na capital do Iémen Sanaa Mohammed Huwais/AFP

A intervenção militar dos países árabes tinha sido pedida pelo ainda Presidente, Abu Mandour Habi, que há dias não se sabia onde estava e esta quinta-feira aterrou em Riad, a capital saudita. Mas a Arábia Saudita já estava a preparar-se para a intervenção que acaba de lançar no Iémen, o país a sul com o qual partilha uma extensa fronteira. Era a consequência inevitável do avanço militar dos rebeldes huthis, uma tribo de confissão zaidita, um ramo do islão xiita, apoiada pelo Irão.

Como escreve a revista Economist, “a Arábia Saudita não ia tolerar para sempre os avanços dos huthis”. É uma questão de hegemonia regional e da antiga rivalidade entre sauditas e iranianos. Isto num momento particularmente sensível, quando faltam poucos dias para o fim do prazo estipulado para o acordo sobre o nuclear iraniano que Teerão negoceia com os principais membros do Conselho de Segurança da ONU.

Os sauditas temem deixar de ser o principal aliado dos Estados Unidos na região — e nunca permitirão ao Irão alargar a sua influência até à sua porta Sul. Já basta o poder que os iranianos têm neste momento no Iraque, outro país fronteiriço, onde grande parte dos homens que combatem os avanços do autoproclamado Estado Islâmico são milícias xiitas formadas, apoiadas e até comandadas no terreno por iranianos.

A influência iraniana, directamente e através do seu aliado libanês, o Hezbollah, alarga-se ainda ao Líbano e a outro país (como o Iémen e o Iraque) com que os sauditas têm fronteira, a Síria, onde as forças xiitas apoiam o regime de Bashar al-Assad.

Riad conseguiu reunir uma importante coligação de apoios para se lançar neste conflito. O Egipto enviou quatro navios de guerra para garantir a segurança do Golfo de Áden e disponibilizou a sua Força Aérea. Dos países do Golfo, só Omã, que também faz fronteira com o Iémen, ficou de fora: participam com aviões os Emirados Árabes Unidos, o Qatar, o Bahrein e o Kuwait. Menos óbvio é o apoio da Jordânia, de Marrocos e do Sudão — e até o também muçulmano sunita, mas não árabe, Paquistão, está a ponderar uma participação militar, pedida pelos sauditas.

Os Estados Unidos, que há anos estão no Iémen a combater a Al-Qaeda mas que nos últimos meses foram retirando, disseram “compreender” a intervenção de Riad e darão apoio logístico e de informação. Reino Unido e França também anunciaram o seu apoio, ainda que a União Europeia tenha afirmado que “a solução para o Iémen é política e não militar”.

“Faremos o que for preciso para impedir a queda do Governo legítimo do Iémen”, afirmou, em Washington, o embaixador saudita, Adel al-Jubeir. “A mudança estratégica na região beneficia o Irão e nós não podemos ficar silenciosos quando os huthis combatem sob a sua bandeira”, disse, por seu turno, o ministro dos Negócios Estrangeiros dos Emirados, Anwar Mohammed Gargash.

Os primeiros bombardeamentos, na madrugada de quinta-feira, visaram posições dos huthis nos arredores da capital, Sanaa; junto a Áden, a segunda maior cidade e o maior porto do país; em Taiz, a meio caminho entre as duas; e contra depósitos de armas na zona de Saada, bastião da tribo junto à fronteira saudita. Todos os portos do país foram entretanto encerrados.

A decisão de avançar aconteceu quando os rebeldes se aproximavam de Áden, onde o Presidente Habi se encontrava (Sanaa caiu para os huthis já em Setembro). Trata-se do porto mais importante do Iémen, um país fundamental para o comércio marítimo, em especial o do petróleo (os preços subiram 4% ao longo do dia). Pelo estreito de Bab al-Mandab, que o país controla e que divide a Península Arábica do Leste de África e une o Golfo de Áden ao Mar Vermelho, a caminho do canal do Suez, passam todos os dias 3,4 milhões de barris de petróleo (cerca de 30% do petróleo exportado por via marítima).

A intervenção do maior exportador de petróleo do mundo tenta assim evitar que os huthis cheguem a controlar Áden e o Golfo com o mesmo nome, algo que os egípcios também farão tudo para impedir. “É uma mensagem clara da ‘doutrina de defesa saudita’. A segurança e a estabilidade da Península Arábica é uma linha vermelha, e a Arábia Saudita não tolera nenhuma tentativa de desestabilizar a região”, diz à Reuters Saud al-Sarhan, analista do Centro de Investigação e Estudos Islâmicos Rei Faisal, em Riad.

“Linha vermelha” foi também o termo usado recentemente pelo embaixador do Egipto no Iémen, Youssef al-Sharqawi, para descrever qualquer ameaça ao estreito de Bab al-Mandab. “A segurança nacional do Iémen influencia directamente a segurança do Mar Vermelho, do Golfo e de Bab al-Mandab.”

Tensões sectárias
Que o Iémen, país cronicamente instável, estava a caminhar a passos largos para o caos, já ninguém duvidava. Esta intervenção pode só vir piorar tudo — os ataques aéreos provocaram vítimas civis em Sanaa e, segundo os huthis, também em Saada. Na capital, houve duas grandes manifestações, uma contra a intervenção “saudita-americana”, onde se gritou “Morte à América”; outra a favor e contra os huthis. Para além do Irão, só o Hezbollah e a Rússia condenaram a intervenção liderada pelos sauditas, com o Governo iraquiano a considerar que só vai desestabilizar mais a região.

Teerão condenou vivamente “a agressão” contra o Iémen e o Presidente, Hassan Rohani, pediu aos países da região para “evitarem todas as acções que acentuem a crise no país”. Sabe-se que o secretário de Estado norte-americano, John Kerry, conversou com o chefe da diplomacia iraniana, Mohammad Javad Zarif, sobre a crise iemenita, à margem das negociações sobre o nuclear na Suíça.

Por causa destas negociações, os analistas não acreditam que o Irão provoque uma escalada no Iémen. A maioria também crê que a intervenção saudita não traga grandes consequências para as conversações, nas quais os iranianos já têm demasiado investido.

O que fica mais uma vez provado é que os sauditas não hesitam em intervir quando em causa está a ameaça do “crescente xiita” (ou expansão do poder do Irão), a expressão usada pelo rei Abdullah II da Jordânia em tom de aviso antes da invasão norte-americana do Iraque, em 2003. Em 2011, as revoltas árabes chegaram ao Bahrein, país de maioria xiita governado por uma família sunita, Riad não hesitou em enviar tropas que esmagaram a revolta, exacerbando uma vez mais as tensões sectárias na região.

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