Sarkozy denuncia “a instrumentalização política da justiça”

Ex-Presidente foi constituído arguido por suspeita de corrupção e de tráfico de influências.

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"Estou profundamente chocado", disse Sarkozy, sobre a sua detenção JACQUES DEMARTHON/AFP

Depois de ter sido detido na terça-feira e interrogado durante cerca de 15 horas, o ex-Presidente francês Nicolas Sarkozy foi constituído arguido por suspeita de corrupção e de tráfico de influências. Ao fim do dia de quarta-feira, Sarkozy quebrou o silêncio para clamar inocência e denunciar “a instrumentalização política da justiça”.

A acusação é diferente das de outros seis casos em que o antigo chefe de Estado está a ser investigado, de financiamento ilegal de campanhas ou do partido. E a pergunta que está na cabeça de todos é se este caso será o travão às cada vez mais evidentes ambições presidenciais do antigo Presidente. Nas palavras do próprio Sarkozy, o objectivo dos seus inimigos políticos do governo socialista terá sido esse mesmo: travar o seu regresso à liderança da UMP (direita) e ao palco principal da política francesa.

“Tudo isto foi feito para dar uma imagem de mim que não corresponde à realidade”, disse o ex-Presidente em entrevista à TF1 e à Europe 1. “Nunca cometi um acto contrário aos princípios republicanos ou ao Estado de direito”, garantiu.

O caso provoca grande comoção em França, onde a instituição do Presidente tem especial prestígio e onde há uma forte protecção da sua imunidade. Jacques Chirac, outro antigo Presidente condenado, foi-o por acções cometidas enquanto presidente da câmara de Paris, e acabou por ser condenado a uma pena, suspensa, de prisão, não chegando a ser detido. Sarzoky foi ouvido na segunda-feira e, após chegar ao gabinete anticorrupção da Polícia Judiciária em Nanterre, ficou detido para interrogatório.  “A noite passada que me foi reservada convenceu-me a falar aqui e agora para dizer que estou profundamente chocado e que não exijo nenhum privilégio. Há uma vontade de me humilhar”, disse Sarkozy, comentando a sua detenção. “Se cometi falhas, assumirei todas as consequências, não sou um homem que fuja às suas responsabilidades.”

Na noite de terça-feira, depois de questionado, o ex-Presidente foi conduzido ao Tribunal de Grande Instância de Paris, onde chegou por volta das 23h30 (hora de Paris, menos uma hora em Lisboa), e foi constituído arguido por violação do segredo profissional, corrupção e tráfico de influência activos, segundo um comunicado citado pela agência francesa AFP. Estes crimes têm penas que podem ir até dez anos de prisão.

Sarkozy deixou o local pelas 2h da manhã, precisa o diário Le Monde, 18 horas depois do início do período de detenção (que poderia ser de 24 horas, extensível por mais 24), sem estar submetido a quaisquer medidas de controlo judiciário, indicava ainda o comunicado.

O processo segue agora para a fase de instrução, e depois um juiz decidirá se formaliza uma acusação ou não. Sarkozy já esteve neste papel, no caso de alegado aproveitamento de fragilidade da herdeira da L’Oréal Liliane Bettencourt, mas o caso acabou por não seguir para julgamento.

Agora, está em causa uma alegada tentativa de Sarkozy de obter informações sobre processos em que era investigado – do caso das suspeitas de financiamento ilegal do antigo ditador líbio Muammar Khadafi à sua campanha para as presidenciais de 2007 às verbas dadas por Liliane Bettencourt, herdeira da L’Oréal. Escutas ao seu telefone feitas no início do ano passado pareciam mostrar que o Presidente tinha informação sobre os processos e referiu-se mesmo a alguém que lhe daria essas informações.

O juiz Azibert
Mais: há suspeitas ainda de que prometeu um cargo a um alto magistrado – Gilbert Azibert, também constituído arguido – para não só lhe dar informação como para influenciar o processo. Azibert pediu recentemente que as agendas de Sarkozy, usadas no âmbito do caso Bettencourt, que terminou com Sarkozy ilibado, não pudessem ser usadas noutros processos que decorrem ainda, como o do financiamento líbio – algo que beneficiaria o antigo Presidente. A decisão acabou por ser a contrária e as agendas poderão ser usadas.

As escutas a outros responsáveis revelaram ainda várias tentativas de pessoas próximas de Sarkozy de se informarem sobre o processo líbio, interpelando directamente os investigadores.

Uma das principais razões para a constituição de Sarkozy como arguido terá sido a utilização de um segundo telefone registado num nome falso, com o qual tinha conversas com o seu advogado, que tinha também outro telefone com outro nome. Numa delas, ainda segundo as escutas, teriam combinado conversas para ter nos telefones normais, mostrando saber que estavam sob escuta.

Pelo timing da investigação, no momento em que parecia evidente que Sarkozy se preparava para concorrer à liderança do seu partido como primeiro passo para uma nova candidatura presidencial, os seus apoiantes criticam-na como tendo um objectivo político. O Partido Socialista, no poder, nega qualquer interferência – mas quando surgiram notícias das escutas a ministra da Justiça negou saber da sua existência, o que acabou por prejudicar o já desacreditado Governo socialista, já que se sabe agora que Christiane Taubira tinha sido informada. Para o diário Financial Times, tudo isto contribui para o descrédito da classe política, muito invocado para o crescimento da Frente Nacional, e sublinha que as hipóteses de Marine Le Pen poder ser uma séria candidata à presidência em 2017 não devem ser menorizadas.

As opiniões sobre o que acontecerá agora são variáveis. Mesmo que o processo não siga, ou não acabe com uma condenação, as alegações são demasiado graves para que o antigo Presidente consiga sair delas incólume, diz uma corrente. Outros comentadores relativizam. Se em dois anos Hollande passou para o menos popular Presidente, em três anos Sarkozy, que é neste momento mais popular do que Hollande, poderia ter já deixado este caso para trás. 

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