Sanções à parte, Putin foi muito bem recebido em Itália

O Presidente russo encontrou-se com o primeiro-ministro italiano e também falou com o Papa Francisco no Vaticano. Apesar do bom humor, não há sinais de que o consenso na União Europeia esteja em causa.

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Rússia e Itália mantêm boas relações há muito tempo OLIVIER MORIN/AFP

O jogo de equilíbrio entre alguns países da União Europeia e a Rússia, por entre as feridas abertas pela guerra no Leste da Ucrânia, teve esta quarta-feira mais um capítulo, com uma visita do Presidente russo a Itália, que incluiu uma conversa com o Papa Fancisco no Vaticano.

O motivo oficial da visita foi a comemoração do Dia da Rússia no âmbito da Expo 2015, que decorre em Milão, mas não escapa a ninguém o facto de ter acontecido dois dias depois da cimeira do G7, e a duas semanas de a União Europeia anunciar se vai reforçar as sanções contra Moscovo.

No final do encontro com o primeiro-ministro italiano, Matteo Renzi, o Presidente russo lembrou a proximidade histórica entre os dois países, principalmente os fortes laços económicos que os unem.

"A Itália é um dos maiores parceiros económicos da Rússia na Europa, e está no 3.º lugar em termos de volume de negócios", sublinhou Vladimir Putin.

"Devido às circunstâncias que todos conhecemos" – disse o Presidente russo, numa referência implícita às sanções aplicadas pela União Europeia e pelos EUA ao seu país –, "o nosso comércio bilateral caiu nos últimos tempos, 10% em 2014 e 25% no primeiro trimestre de 2015".

A conclusão que se seguiu foi também uma chamada de atenção para as consequências das sanções em ambos os lados: "Como é natural, esta situação não é do agrado de nenhum dos nossos governos, nem dos nossos empresários."

Na única referência directa à situação na Ucrânia, Vladimir Putin limitou-se a repetir o que tem dito desde a cimeira realizada em Minsk em Fevereiro, de que resultou um conjunto de acordos com vista ao fim dos combates entre o Exército ucraniano e os rebeldes separatistas das autoproclamadas repúblicas populares de Donetsk e de Lugansk.

"Ambos acreditamos que a única solução é um acordo pacífico, e quero dizer que a Rússia, tal como Itália, pretende ver os acordos de Minsk implementados na íntegra. O documento que foi aprovado na capital da Bielorrússia engloba todos os aspectos fundamentais: políticos, militares, socioeconómicos e humanitários. Infelizmente, estas disposições não estão a ser implementadas em todos os aspectos, mas apenas de forma selectiva", disse Putin.

O facto de os acordos de Minsk não estarem a ser cumpridos na íntegra é uma evidência que não escapa nem ao observador menos atento, mas Moscovo e Washington divergem quanto aos motivos – a Rússia diz que a culpa é do Governo de Kiev, que não está disposto a negociar com os representantes dos rebeldes; e os EUA acusam Moscovo de continuar a alimentar o conflito, com apoio aos separatistas e com os seus próprios soldados e armamento.

Quanto ao primeiro-ministro italiano, apesar de ter salientado "a tradicional amizade entre Itália e a Rússia", não se desviou da posição oficial da União Europeia quanto ao conflito na Ucrânia: "A situação internacional é complicada, não apenas em relação a assuntos que nos dividem, mas também em relação a temas que nos devem aproximar cada vez mais, começando pela ameaça global do terrorismo."

Ainda assim, e nas circunstâncias actuais, Vladimir Putin não encontraria um ambiente tão afável em nenhum outro grande país europeu como em Itália. Num sinal de que a diplomacia italiana continua a manter igual dose de firmeza e de pragmatismo, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Paolo Gentiloni, disse ao jornal Corriere della Sera que o seu país "tem combinado a lealdade aos seus aliados com uma relação especial com a Rússia".

Apesar de sair de Itália sem o mínimo sinal de que o consenso europeu em relação às sanções económicas poderá ser quebrado, Vladimir Putin ficou a saber que pelo menos os seus parceiros italianos não irão alinhar num eventual boicote ao Mundial de futebol de 2018 – o primeiro-ministro Matteo Renzi disse que está ansioso por acompanhar a selecção italiana na competição.

Depois do encontro com Renzi – e antes de um momento de descontracção em casa do seu amigo Silvio Berlusconi –, Vladimir Putin reuniu-se com o Papa Francisco no Vaticano. Foi a segunda vez que ambos se encontraram; a primeira foi em Novembro de 2013, antes da cimeira do G20, em São Petersburgo.

No final do encontro, o Papa Francisco apelou a Vladimir Putin que se comprometa com "um esforço grande e sincero" para que a paz regresse à Ucrânia, e ambos disseram que é preciso restabelecer um clima de diálogo entre as partes em conflito e implementar os acordos de Minsk.

Os EUA tentaram pressionar o Papa Francisco a assumir uma posição pública mais contundente em relação ao conflito na Ucrânia, mas os muitos outros temas que aproximam hoje em dia a Rússia e o Vaticano não faziam prever grandes alterações.

O embaixador dos EUA na Santa Sé, Kenneth Hackett, disse que o Papa "podia falar mais sobre as preocupações em relação à integridade territorial". "Talvez esta seja uma oportunidade para o Santo Padre abordar estas questões em privado", disse Hackett antes do encontro.

Mas os temas que unem o Papa Francisco a Vladimir Putin funcionam também como um travão a declarações mais contundentes sobre a Ucrânia – da guerra na Síria, em que ambos rejeitam uma intervenção externa; à perseguição de cristãos no Médio Oriente pelos ultra-radicais do autoproclamado Estado Islâmico; passando pela melhoria nas relações entre os EUA e Cuba; e acabando no diálogo ecuménico com a Igreja Ortodoxa Russa, que terá sempre de passar pelo Kremlin.

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