Sair da CPLP?!...

Portugal opor-se interminavelmente à vontade expressa de todos os outros membros? A resposta só pode ser não.

“Será que Portugal fica mais pobre do que já é, sem petróleo e sem gás, se sair da CPLP [Comunidade dos Países de Língua Portuguesa]? Julgo que não. Será que Portugal se sente integrado numa comunidade que decide questões de relevância sem o seu acordo? Confio que não. Será que aqui e agora Portugal não deveria assumir de pleno direito uma vocação europeia? Claro que sim.” (Julieta Almeida Rodrigues, “O retrocesso civilizacional de Portugal”, PÚBLICO, 25.7.2014)

“Basta de nevoeiro!” – assim termina Julieta Almeida Rodrigues (J.A.R.) o seu artigo onde defende, expressamente, a saída de Portugal da CPLP. Saudemo-la pela clareza. Ao contrário de muitos outros, que, tendo denunciado, nas últimas semanas, com igual ou ainda maior veemência a recente entrada da Guiné Equatorial na CPLP, se ficam depois pela mera denúncia, J.A.R. é bem mais coerente e consequente, retirando a única conclusão possível dessa posição de princípio. A menos, claro está, que se defenda que Portugal deva ter alguma espécie de tutela na CPLP, sobrepondo a sua posição à vontade expressa de todos os outros membros…

Neste caso, importa recordar, foi o que sucedeu. Todos os restantes membros da CPLP defenderam o ingresso da Guiné Equatorial. Por mais pertinentes que fossem as reservas portuguesas (e nós consideramos que, no essencial, o eram), a pergunta que se levanta é só uma: poderia Portugal opor-se interminavelmente à vontade expressa de todos os outros membros? A resposta só pode ser não. Daí a incoerência e, sobretudo, a inconsequência de muitas das posições expressas sobre este caso, que, de resto, nos levariam a outro tipo de reacções. Apenas um exemplo: recusamos mesmo estar numa comunidade em que um dos membros pratica a pena de morte? Muito bem: então saiamos igualmente da NATO…

E quanto à União Europeia? Se é um facto que nenhum dos seus membros pratica a pena capital, a verdade é que todas as semanas condena à morte, pelo menos por inacção, dezenas, quando não centenas, de africanos que, desesperadamente, tentam atravessar o Mediterrâneo… Ao recordarmos isto, não pretendemos banalizar o caso específico da Guiné Equatorial. Apenas alertar quanto às (in)consequências das posições maximalistas. À luz destas, poderíamos de resto questionar a permanência na CPLP de alguns Estados, cuja diferença em relação à Guiné Equatorial não é, infelizmente, muito significativa. E não nos referimos aqui apenas à magna questão dos direitos humanos – referimo-nos à não menor questão do uso da língua portuguesa: alguns dos países da CPLP só ainda são lusófonos de nome, porque neles só uma minoria da população fala realmente a nossa língua…

Tudo isto, porém, nos deve levar ao reforço da aposta na CPLP, ao contrário do que sustenta J.A.R., que chega a lamentar o nosso suposto “afastamento [em relação à Europa] durante quatro séculos de história”! Como se não tivesse sido esse “afastamento” – ou, de forma mais precisa: esse descentramento – a, historicamente, garantir-nos a autonomia cultural e política no seio da Europa. Se isso não tivesse acontecido, Portugal seria hoje, na melhor das hipóteses, uma mera região de Espanha. No século XXI, o cenário não é substancialmente diferente: a nossa posição na Europa será tanto mais forte quanto mais fortalecidos forem os laços com os restantes países e regiões do espaço lusófono – no plano cultural, desde logo, mas também social, económico e político. Felizmente, há cada vez mais gente a percebê-lo.

 

Post Scriptum: recordamos, a este respeito, a Declaração que o MIL emitiu em devido tempo:

"No rescaldo da VIII Cimeira de chefes de Estado e de Governo da CPLP: Comunidade de Países de Língua Portuguesa, realizada a 23 de Julho de 2010, em Luanda, o MIL: Movimento Internacional Lusófono emitiu uma declaração em que “saudava a decisão, tomada por consenso, de não aceitar, de imediato, a adesão da Guiné Equatorial, dado o seu défice em dois requisitos fundamentais: ser um país lusófono e um Estado de direito”. Na véspera da IX Cimeira, que se realizou no dia 20 de Julho de 2012, em Maputo, o MIL reafirmou esta sua posição de princípio.

Passados dois anos, os ministros dos Negócios Estrangeiros da CPLP aconselharam por unanimidade a entrada da Guiné Equatorial na organização, sob a forma de uma recomendação à cimeira dos chefes de Estado e de Governo que se realizará em Díli, em Julho deste ano – alegando, para tal, o progresso feito nesses dois requisitos fundamentais: no ensino da língua e na melhoria relativa na defesa dos direitos humanos, destacando o estabelecimento de uma moratória sobre a pena de morte.

Tendo consciência de que esse denunciado défice está ainda por suprir, o MIL faz votos para que o anunciado ingresso da Guiné Equatorial na CPLP acelere o seu progresso enquanto país lusófono e Estado de direito. Como sempre defendemos, o espaço lusófono deve ser um espaço de referência no plano do respeito dos direitos humanos, o que, infelizmente, como todos sabemos, ainda está muito longe de acontecer – e não só na Guiné-Equatorial. A própria difusão da língua portuguesa é, de resto, como não ignoramos, ainda bastante deficitária – e aqui, uma vez mais, não nos referimos apenas ao caso da Guiné Equatorial.

Seja como for, no plano geopolítico, a Guiné Equatorial só tinha duas opções – integrar-se no espaço francófono ou lusófono. A esse respeito, não podemos deixar de qualificar como hipócrita a posição daqueles que, indignando-se com o ingresso da Guiné Equatorial na CPLP, não estendem a sua indignação à outra hipótese que estava em aberto. Registamos que, em Portugal, persistem alguns nostálgicos das “invasões francesas”, sempre prontos a ver na França e na francofonia uma dimensão libertadora. Por isso, também, nada disseram a respeito das mais recentes intervenções francesas em África. Obviamente, tudo seria diferente se Portugal tivesse feito algo de similar."

Presidente do MIL: Movimento Internacional Lusófono

www.movimentolusofono.org

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