Obama avisa Putin que estratégia russa para a Síria é “receita para o desastre”

Primeiros bombardeamentos russos em Raqqa, província onde Estado Islâmico tem a sua "capital". Coligação liderada pelos EUA pede a Moscovo que concentre esforços na luta contra os jihadistas.

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Os ataques ordenados por Putin para sustentar Assad arriscam-se a alinear todo o Islão sunita, afirmou Obama Philippe Wojazer/REUTERS

O presidente dos EUA, Barack Obama, considera que os bombardeamentos russos na Síria “só fortalecem” o autoproclamado Estado Islâmico, porque Moscovo não estabelece diferenças entre os opositores de Bashar al-Assad e entende que todos “são terroristas”, o que, do seu ponto de vista, é uma “receita para o desastre”.

A abordagem russa está, para ele, votada ao fracasso e os ataques à “oposição moderada vão ser contraproducentes”, disse, numa conferência de imprensa na Casa Branca, esta sexta-feira à noite – dia 3 dos ataques russos aos grupos que combatem o Presidente Bashar al-Assad. Os EUA vão continuar a “ir atrás” do  Estado Islâmico (EI), a apoiar a oposição moderada e a rejeitar a “teoria” russa de que “todos são terroristas”, afirmou também.

Obama disse que que está preparado para trabalhar com a Rússia, e também com o Irão, para encontrar uma solução política para a Síria. Mas, para que isso aconteça, o Presidente russo, Vladimir Putin, deve reconhecer que é preciso “haver uma mudança” de Governo em Damasco. “O problema é Assad e a brutalidade que infligiu ao povo sírio.”

O líder norte-americano disse não ter ilusões sobre a catástrofe humanitária que a Síria é, mas acrescentou que aprendeu noutras guerras recentes que não é o reforço do envolvimento militar que resolve problemas políticos.

Assad não descura também a frente diplomática e fez saber que o regime sírio está disposto a participar em discussões preparatórias de uma conferência de paz, embora tenha sérias reservas quanto a uma solução política negociada para a guerra. “O terrorismo não pode ser combatido [só] com ataques aéreos”, disse o ministro dos Negócios Estrangeiros, Walid al-Moulem, nas Nações Unidas.

“Os ataques aéreos são inúteis se não forem coordenados com o exército, a única força na Síria que combate o terrorismo”, disse Moulem, na Assembleia Geral, em Nova Iorque. As acções da coligação internacional liderada pelos EUA “só serviram para o espalhar”, acrescentou.

No terreno, a aviação russa bombardeou pela primeira vez alvos na província de Raqqa, no Norte, onde o EI tem a sua "capital", na noite de quinta-feira. Já esta sexta, foi anunciada a destruição de um posto de comando e de um paiol jihadista em Hama, a Oeste. Mas esses ataques não venceram a desconfiança ocidental dos bombardeamentos que Moscovo diz visarem tanto jihadistas como “todos os outros grupos terroristas”.

O anúncio de que a aviação russa fez bombardeamentos na província de Raqqa, foi feito pelo Ministério da Defesa de Moscovo. Bombardeiros tácticos Sukhoi-34 visaram, entre outros alvos, “um posto de comando camuflado em Kasrat Faraj”. Foi também atingido um “campo de treino” próximo de Maadan Jadid, indica um comunicado.

Os ataques de quinta-feira foram confirmados pela Observatório Sírio dos Direitos Humanos, uma das principais fontes de informação sobre o que ocorre no interior da Síria, segundo o qual foram mortos pelo menos 12 jihadistas. Os raides aéreos levaram ao cancelamento das orações de sexta-feira.

Foram também anunciados bombardeamentos nas províncias de Alepo, no Norte, Idlib (Nordeste) e Hama. Mas os lugares indicados pelo Governo russo como tendo sido alvos do Estado Islâmico são, segundo o observatório, ocupados pela Frente al-Nusra, ligada à Al-Qaeda, e por outros grupos anti-Assad.

O anúncio dos ataques em Raqqa não basta para vencer as desconfianças dos EUA e dos seus aliados de que a Rússia estará a atacar sobretudo opositores do Presidente sírio, onde o Estado Islâmico tem pouca presença. “A operação foi inteiramente montada contra posições do [moderado] Exército Livre da Síria”, disse Ahmet Davutoglu, primeiro-ministro da Turquia.

"Acabem imediatamente"

Sete dos países que integram a coligação internacional – EUA, Reino Unido, França, Alemanha, Qatar, Arábia Saudita e também a Turquia – apelaram a Moscovo para acabar “imediatamente” com os ataques contra a oposição a Assad e concentrar esforços no EI, que controla metade de um país em guerra há quatro anos. Ataques que não visem o grupo islamista só “alimentam mais o extremismo e a radicalização”, disseram.

O Governo de Moscovo admite prolongar por “três a quatro meses” os bombardeamentos, disse Alexei Pouchkov, presidente da comissão de assuntos estrangeiros da Duma, a câmara baixa do Parlamento. Ao mesmo tempo, a Rússia – acusada de querer ajudar Assad a permanecer no poder – entregou no Conselho de Segurança um projecto de resolução que associaria o Governo de Damasco a uma coligação alargada contra os jihadistas.

O problema sírio acabou por ser o tema não-oficial de uma cimeira sobre a Ucrânia que, esta quinta-feira, decorreu em Paris. Antes do encontro, o Presidente francês, François Hollande, e Vladimir Putin procuraram, segundo fonte diplomática francesa citada pela AFP, aproximar posições “sobre a transição política em Damasco”.

Os dois dirigentes tiveram “discussões aprofundadas com base nas três condições” postas pela França para qualquer intervenção externa: atacar o EI, garantir a segurança de civis e trabalhar para uma transição assente [nos acordos de] Genebra”, acrescentou a fonte diplomática. Em 2012 e 2014 realizaram-se na cidade suíça cimeiras sobre a Síria e a comunidade internacional defendeu a criação de um governo de transição com elementos da oposição e do regime.

“Lembrei a Putin que os ataques devem ser contra o EI e unicamente ao EI”, disse o Presidente francês, após a reunião. Merkel, que também falou com o Presidente russo, declarou, tal como Hollande, que “a questão da Síria não está ligada à de Minsk” – uma forma de afirmar que os países ocidentais não tencionam fazer concessões à Rússia sobre Ucrânia para conseguirem o seu apoio político na Síria. Putin saiu sem falar.

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