Rolling Stone pede desculpa e retira artigo sobre violação

Investigação independente revela que a revista norte-americana falhou no cumprimento de regras básicas do jornalismo.

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O relatório foi feito por Steve Coll e Sheila Coronel, da Universidade de Columbia Mike Segar/Reuters

O director da revista norte-americana Rolling Stone admitiu que a publicação não cumpriu regras básicas de jornalismo numa reportagem sobre violação em grupo na Universidade da Virginia, publicada em Novembro do ano passado. Num extenso relatório independente, feito pela Faculdade de Jornalismo da Universidade de Columbia, os profissionais envolvidos no caso são acusados de terem investido a reputação da revista numa única fonte – a jovem que diz ter sido violada.

A credibilidade da reportagem intitulada "Uma violação no campus", assinada pela jornalista Sabrina Rubin Erdely, foi posta em causa poucos dias depois da sua publicação, mas o relatório pedido à Universidade de Columbia só foi revelado no domingo.

A reportagem de Elderly – entretanto retirada do site da Rolling Stone – conta a história de uma aluna da Universidade da Virginia identificada como "Jackie", que diz ter sido violada por sete elementos da fraternidade Phi Kappa Psi numa festa, em Setembro de 2012.

Assim que foi publicada, em Novembro do ano passado, a história chocou o país e passou a ser usada como exemplo da falta de investigação e punição nas universidades norte-americanas para casos de violação e outros tipos de de violência, especialmente contra alunas – um mês antes, as autoridades tinham encontrado o corpo de Hannah Graham, uma outra aluna da Universidade da Virginia, que desaparecera a dois quilómetros do campus universitário.

A intenção da jornalista era expor essa "cultura generalizada de assédio sexual/violações" nas universidades norte-americanas, em particular na Universidade da Virginia, através de "um único e emblemático caso de violação", de acordo com os apontamentos da própria jornalista, disponibilizados pela revista Rolling Stone.

"O problema foi a metodologia, agravado por um ambiente em que vários jornalistas com décadas de experiência não levantaram nem debateram problemas sobre o seu trabalho", lê-se no relatório, assinado por três especialistas, entre os quais Steve Coll, director da Faculdade de Jornalismo da Universidade de Columbia e vencedor de dois prémios Pulitzer.

A investigação não encontrou qualquer indício de que a Rolling Stone teve a intenção de inventar a história. O problema parece ter sido a confiança cega no trabalho e na experiência de cada um dos envolvidos – do editor na jornalista; do director no editor; e do departamento de "fact-checking" (responsável por verificar a veracidade dos pontos mais sensíveis da reportagem) nos restantes profissionais.

Citada no relatório, a responsável pelo departamento de "fact-checking" da Rolling Stone, Coco McPherson, confirma essa ideia: "Ela disse que tinha confiança em todos os envolvidos, e que não viu necessidade em levantar quaisquer questões junto dos editores."

A jornalista, Sabrina Rubin Erdely, reagiu ao relatório num comunicado em que assume ter falhado no "dever jornalístico de descobrir a verdade".

"Ao longo dos meus 20 anos de trabalho como jornalista de investigação (…) lidei várias vezes com questões e fontes sensíveis. Ao escrever cada uma dessas histórias, tenho de confrontar a minha compaixão com o dever jornalístico de descobrir a verdade. No entanto, no caso de Jackie, e do seu relato de uma violação traumática, não fui suficientemente longe na verificação da sua história. Deixei que a minha preocupação com o bem-estar de Jackie, o meu receio de voltar a traumatizá-la e a minha confiança na credibilidade dela deixassem para segundo plano o trabalho de levantar mais questões e procurar mais factos. São erros que não voltarei a cometer."

A direcção da Rolling Stone disse que não vai alterar os seus procedimentos, nem anunciou sanções disciplinares. "Não acho que seja necessário rever o nosso processo, nem temos necessariamente de instituir novas formas de trabalho. Apenas temos de fazer o que sempre fizemos, e garantir que não voltamos a cometer este erro", disse o director da revista, Will Dana.

A polícia de Charlottesville investigou as acusações de "Jackie" e concluiu que não encontrou quaisquer indícios de que a violação descrita na revista tenha acontecido – pelo menos não no local nem no dia apontados na reportagem da Rolling Stone. <_o3a_p>

"Não conseguimos concluir de forma substantiva que tenha ocorrido um incidente na fraternidade Phi Kappa Psi, ou em qualquer outra fraternidade, consistente com os factos contidos na reportagem. Mas isso não significa que não tenha acontecido algo terrível a Jackie na noite de 28 de Setembro de 2012; apenas quer dizer que nós não conseguimos recolher factos suficientes para determinar o que poderá ter acontecido", disse o responsável pela polícia de Charlottesville, Timothy Longo, numa comunicação feita no dia 23 de Março.

O caso da revista Rolling Stone está também a preocupar os estudantes e as organizações que lutam por uma maior transparência nas investigações a casos de violação, em particular nas universidades dos Estados Unidos – muitos temem que futuras vítimas possam recusar-se a denunciar os crimes com receio de virem a ser acusadas de estarem a mentir, apesar de as estatíticas indicarem que a taxa de falsas denúncias não ultrapassa os 8%.

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