Rodrigo Rato, ícone político em Espanha, vê em liberdade a sua “punição final”

Rodrigo Rato foi director do FMI, vice-presidente do Governo, ministro das Finanças e da Economia. Nova investigação sobre as suas finanças é mais um capítulo nos vários casos de justiça em que está envolvido.

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Rodrigo Rato está ainda a ser investigado por uso indevido de cartões de crédito do Bankia e de irregularidades na entrada do mesmo banco na bolsa Andrea Comas/Reuters

Rodrigo Rato ficou em liberdade depois de ter sido detido na tarde de quinta-feira e de ter acompanhado as buscas policiais a sua casa e escritório, no âmbito de uma operação que o investiga pelos crimes de fraude fiscal, branqueamento de capitais e ocultação de bens. Já passava da meia-noite quando Rodrigo Rato, que foi ministro da Economia, das Finanças e vice-presidente do Governo de José Maria Aznar, e mais tarde director-geral do Fundo Monetário Internacional (FMI), afirmava ao diário espanhol El País: “Estou em casa e em liberdade.”

As autoridades espanholas detiveram Rodrigo Rato na sua residência, a meio da tarde de quinta-feira. Ao longo do dia, o ex-director do FMI acompanhou as buscas a sua casa e ao escritório onde trabalha, de onde os inspectores da agência tributária apreenderam várias caixas de documentação. O El País avança que foram conduzidas ainda buscas a outros locais, incluindo à residência de um familiar de Rodrigo Rato. As operações terminaram por volta da meia-noite e Rodrigo Rato foi então conduzido a sua casa.

Fontes ligadas ao processo indicaram ao diário espanhol que as suspeitas dizem respeito a “negócios privados” de Rodrigo Rato, e não a actividades ligadas aos cargos que desempenhou dentro e fora do Governo espanhol. Nem tão-pouco estas investigações têm que ver com os dois processos em aberto contra Rodrigo Rato: é investigado pelo uso a título pessoal de cartões de crédito do Bankia – instituição financeira resgatada pelo Estado espanhol e da qual foi presidente – e é também um dos visados nas alegadas irregularidades da entrada do Bankia na bolsa.

O rasto de Rodrigo Rato
Há praticamente um ano que o antigo director do FMI andava a ser investigado pelo fisco. De acordo com o que é avançado pelo El País, os alarmes soaram em Abril de 2014.

Rato aproveitara um programa de amnistia fiscal lançado pelo Governo de Mariano Rajoy em 2012 para repatriar património não declarado no estrangeiro. Mais tarde, em 2013, uma lei lançada pelo executivo do Partido Popular (PP) obrigou a que fossem declarados todos os bens e participações no estrangeiro. Rato cumpriu. Mas foi só quando, em Abril de 2014, o ex-vice-presidente actualizou a declaração do ano anterior que a agência tributária espanhola comparou os três documentos (repatriação, primeira e segunda declaração de bens) e encontrou contradições. O nome de Rodrigo Rato foi então enviado para a Comissão de Prevenção do Branqueamento de Capitais, que prosseguiu as investigações.

O nome de Rodrigo Rato, aliás, não estava sozinho, A agência tributária enviou para a comissão de prevenção o nome de mais 704 indivíduos suspeitos de branqueamento de capitais. Entre eles contavam-se vários elementos com ligações a cargos públicos e seus familiares. Estávamos em Fevereiro.

No caso de Rodrigo Rato, porém, foram detectados “certos movimentos em várias sociedades de Rato no exterior” – as palavras são do El País – que levaram a que a fosse enviada esta semana toda a documentação recolhida desde 2014 para a procuradoria de Madrid. Depois de alguns dias de investigação, o Ministério Público ordenou o mandato de busca e detenção temporária a Rodrigo Rato, que se cumpriu na quinta-feira. Já nesta sexta, Rodrigo Rato negou as acusações. “Não tenho sociedades em paraísos fiscais nem fora da União Europeia”, disse ao El País.

E qual a razão das alegadas movimentações? De acordo com o portal eldiario.es, em causa poderá estar o pagamento de uma fiança de 800 milhões de euros exigida pela Audiência Nacional ao Bankia, sua empresa-mãe BFA e a cinco ex-dirigentes da instituição financeira, entre os quais Rodrigo Rato, no âmbito das investigações sobre irregularidades na entrada do banco na bolsa. Foram os próprios Bankia e BFA quem adiantaram os 800 milhões de euros exigidos pela Audiência Nacional, mas está em curso um processo através do qual o banco quer reaver parte desse dinheiro. Ao todo, a Rodrigo Rato e aos outros quatro imputados caberá pagar uma fatia de 133,3 milhões de euros.

Rajoy deixa cair Rato
O Partido Popular tem sido acossado por uma série de casos de corrupção que atingiram altos responsáveis do partido. A um mês das eleições regionais e locais em Espanha e em antecipação da eleição geral no final deste ano, o partido de Mariano Rajoy vê-se a braços com mais um caso que poderá afectar a sua popularidade nas urnas.

Mas o actual Presidente do Governo espanhol que, com Rodrigo Rato, fez parte do grupo da oposição que levou ao poder José Maria Aznar, já há muito se isolou daquele que é visto como o “ícone económico” do PP. Afinal de contas, Rajoy expulsou Rodrigo Rato do Partido Popular em Outubro de 2014 e já em 2012 o havia retirado do cargo de presidente do Bankia (para o qual antes o promovera). O El País chama à detenção de quinta-feira a “punição final” de Rato.

Como escreve o El País, a ordem de discurso que passou nesta sexta-feira pelo Partido Popular foi a de que a detenção de Rodrigo Rato fazia parte do “funcionamento normal do Estado de Direito num país democrático”. E, de facto, a linha foi repetida, em primeiro lugar, pelo ministro da Justiça, Rafael Catalá, e depois pelo ministro das Finanças, Cristóbal Montoro. “Não estou aqui para sentimentalismos pessoais, mas para aplicar a lei”, disse Montoro nesta sexta-feira.

Mas corre a tese – negada pelo PP – que o partido quer utilizar a própria queda de Rodrigo Rato para se afastar da imagem de corrupção que lhe tem vindo a ser associada. O facto de Rajoy ter expulsado Rato do partido em Outubro seria um dos sinais.

O colunista do diário digital espanhol Público, Ernesto Ekaizer, apoia esta última tese e diz que a detenção na quinta-feira de Rodrigo Rato se tratou de uma operação “anunciada e cuidadosamente preparada”.

Ekaizer conclui: “O Governo de Rajoy tenta pôr a si mesmo a medalha da luta contra a corrupção. Quando o presidente do Governo se refere à corrupção sublinha que a justiça funciona e não tem dúvidas em apropriar-se da actuação da polícia e juízes.”

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