Revolta contra a sede do império

Só a existência de um mecanismo de transferências compensatórias dos países mais ricos, beneficiados com o euro, para os mais pobres, por ele prejudicados, poderia atenuar aquilo que estes sentem como injustiças, gerando um mal-estar difícil de atenuar.

O que se está a assistir na Europa com os acontecimentos na Grécia, particularmente a grande maioria de votantes que recusaram as políticas de austeridade embora não haja condições para dela se descartarem, no referendo que o governo grego decidiu convocar, é motivo para uma reflexão acerca das relações de Berlim com os restantes Estados da União Europeia (nomeadamente com os respectivos povos), especialmente aqueles que adoptaram a moeda única.

Adiante-se que não me parece que os dirigentes gregos consigam o que pretendem. Quando muito a sua forte teimosia poderá conseguir que a União Europeia autorize uma reestruturação da dívida, reduzindo em parte o montante de juros que está a pagar aos credores, cujo valor retira qualquer possibilidade de enveredar por políticas de crescimento económico.

O que pretendo é chamar a atenção para o clamor da população grega contra Berlim, que é acusada de prosperar à custa da crescente miséria dos países do Sul, evidenciando um antigermanismo acentuado.

Nem tudo o que se escreve nas redes sociais corresponde à verdade dos factos, mas, na actualidade e em plena “era da informação”, que faz com que as percepções de cada um sejam extraordinariamente influenciadas pelas mensagens que circulam nas plataformas por onde elas se difundem, global e permanentemente, multidões de indivíduos online formulam as suas opiniões sensibilizados pelas informações que constante e insistentemente lhes chegam.

E o que ressalta de toda esta catadupa de elementos de informação que vai repetindo o mesmo sentimento, é que tendem a contagiar a generalidade das pessoas, convencendo-as de que existe um culpado por toda esta “injustiça” (é assim que traduzem a convicção que absorvem e disseminam). E esse culpado tem uma posição geográfica, um nome, e um líder – Norte da Europa, Alemanha e Merkel.   

E há razões que conduziram a esta situação e a mantêm.

Em primeiro lugar a liberdade de acção dos países europeus com economias mais frágeis, ou seja, os Estados do Sul da Europa.

A adopção da moeda única, que não é igual ao marco alemão mas está mais próximo dele do que das anteriores moedas dos países do Sul, particularmente dos mais fracos, veio criar a estes sérios problemas, dos quais se destaca como central a perda de liberdade de acção, tanto externa como interna. Estão permanentemente ameaçados pelo impacte de crises. Crises provocadas pelo aumento dos juros dos montantes financeiros em dívida, com origem em situações de instabilidade política e/ou económica que podem ter os antípodas como pólo de irradiação, obrigam a medidas de maior austeridade e, em consequência, em crescente descontentamento das populações, quando não instabilidade e tumultos ou revoltas.

Estes países, nomeadamente os respectivos governos, sentem-se manietados por um invisível colete-de-forças, por se verem impotentes para modificar a situação.

Só a existência de um mecanismo de transferências compensatórias dos países mais ricos, beneficiados com o euro, para os mais pobres, por ele prejudicados, poderia atenuar aquilo que estes sentem como injustiças, gerando um mal-estar difícil de atenuar.

Esta “malaise” leva os povos a considerar como culpados aqueles que mais vantagens retiram dos dispositivos existentes, ou seja, os alemães. Como resultado do poder que lhe atribuem. O que se traduz em medo e inveja.

Medo do poder que os germânicos têm e do que podem ainda fazer com ele.

Inveja de quem vive bem, ao contrário dos que têm dificuldades e vivem mal.

Medo e inveja que geram ódio, por não estar na sua mão a capacidade de modificar as desigualdades de que se queixam.

É como se estivéssemos perante um descontentamento que, de facto, significa uma revolta latente que não se consegue pôr em acção. Portanto, descontentes com os outros e com eles próprios.

Mas basta observar Schäuble, ministro das finanças alemão, cuja insuportável arrogância se manifesta quando, aparentemente em tom de brincadeira, vai revelando o que pensa realmente sobre o poder imperial de Berlim sobre os restantes países europeus particularmente os periféricos. Ao afirmar que talvez valesse a pena falar com o secretário de tesouro norte-americano, a fim de apresentar a proposta de trocar a Grécia por Porto Rico.

É contra manifestações de imperialismo deste tipo que se insurgem os cidadãos de uma Europa que, infelizmente, se deixou capturar pelas malhas do euro, ficando sem opções próprias. Parecendo, agora, restar-lhe apenas um único caminho - a obediência cega aos ditames alemães como “bons alunos”. Em vez de vários países em idênticas circunstâncias e com os semelhantes problemas conjugarem as suas posições e procurarem caminhos comuns para conseguirem massa crítica suficiente e assim poderem influenciar quem tem a última palavra em termos de decisão – a chanceler alemã. 

Como resultado destas interacções, apareceu um sentimento de forte demonização da Alemanha, o que porventura poderá não corresponder à realidade dos seus comportamentos.

Talvez seja a altura de tanto Berlim como as restantes capitais europeias reflectirem sobre a origem desta tensão entre os povos do Sul e do Norte, e de tentar pôr-lhe termo, para bem de todos nós – europeus do Norte e do Sul, de Leste de Oeste.

General (R)

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