Reviver o passado nos EUA com os Bush e os Clinton

O cenário de uma corrida à Presidência entre Hillary Clinton e Jeb Bush começa a ser tão inevitável quanto peculiar. Não haverá mais do que duas famílias na América por onde escolher o Presidente?

As sondagens indicam que os eleitores norte-americanos querem uma mudança em Washington. Estão fartos de políticos que não dialogam, que defendem os seus próprios interesses e que deixam para segundo plano o bem comum. Querem sangue novo a correr nas veias da capital, nas paredes do Congresso e na Sala Oval da Casa Branca. Os próximos meses vão ser um teste a essa determinação, com o tiro de partida para uma das corridas à Casa Branca mais paradoxais das últimas décadas: o sangue novo que muitos reclamam parece correr, afinal, nas veias de dois velhos nomes que têm dominado a vida política norte-americana desde 1980.

O sinal de que o futuro dos EUA está cada vez mais perto de uma espécie de regresso ao passado chegou no dia 16 de Dezembro, através das redes sociais. Numa linguagem que não precisa de um tradutor especial do Google para descodificar mensagens políticas, o antigo governador da Florida Jeb Bush lançou a sua candidatura através do Facebook e do Twitter. Tentando evitar confrontos com palavras inequívocas, o irmão do antigo Presidente George W. Bush e filho do antigo Presidente George H. W. Bush acabou por apontar o caminho que pretende seguir para chegar à Casa Branca em Novembro de 2016: “Decidi explorar activamente a possibilidade de concorrer a Presidente dos Estados Unidos.”

Não foi propriamente uma surpresa, mas o facto de um candidato forte ter aberto tão cedo a porta à sua eventual disponibilidade (utilizando a linguagem cuidada deste tipo de comunicados) indica que Jeb Bush quer passar à frente de todos os outros possíveis candidatos pelo Partido Republicano, colocando-se no primeiro lugar da fila para a entrada na festa dos apoios e para abrir as generosas bolsas de potenciais financiadores.

Quanto a Hillary Clinton, ex-senadora, ex-secretária de Estado no primeiro mandato de Barack Obama e mulher do antigo Presidente Bill Clinton, restam poucas dúvidas, principalmente depois do avanço de Jeb Bush – se do lado do Partido Democrata o seu nome continua numa solidão de fazer dó no topo das preferências, a entrada em cena de um Bush poderá ter o condão de unir ainda mais os democratas, que querem continuar a ocupar a Casa Branca.

O cenário de uma corrida à Presidência entre Hillary Clinton e Jeb Bush começa a ser tão inevitável quanto peculiar, como se constata através da leitura desse verdadeiro barómetro da política norte-americana: os guiões dos humoristas.

Em Novembro, Andy Borowitz, autor do blogue Borowitz Report, associado à revista The New Yorker, pontuava essa possibilidade com sarcasmo: “Os Estados Unidos da América, uma nação com uma população de aproximadamente 300 milhões de pessoas, aceitam totalmente o facto de que o próximo Presidente dos Estados Unidos só poderá ser seleccionado de entre duas famílias.”

Citando um cidadão imaginário chamado Stoddard Vinton, o humorista expunha a influência dos Bush e dos Clinton na vida política norte-americana nas últimas três décadas: “Não há dúvida de que há muitas pessoas qualificadas para ocuparem o cargo de Presidente. Mas penso que o sistema de escolhermos pessoas de apenas duas famílias tem resultado bastante bem.”

A ideia de uma corrida Bush/Clinton incomodou até a antiga primeira-dama Barbara Bush. Em Janeiro de 2014, numa entrevista ao canal C-SPAN, a mulher e mãe de dois presidentes foi contundente quando questionada sobre se achava que há lugar para um outro Bush na Casa Branca: “Os Estados Unidos são um grande país. É um bocado pateta se não conseguirmos encontrar mais do que duas ou três famílias para concorrerem a altos cargos.”

Nas últimas oito eleições para a Presidência dos Estados Unidos, entre 1980 e 2012, o nome Bush apareceu em cinco delas, como candidato a Presidente ou a vice-presidente.

O primeiro dos presidentes Bush, George Herbert Walker, foi vice-presidente nos dois mandatos de Ronald Reagan, entre 1980 e 1988. Findo o trabalho na sombra, Bush assumiu o poder nas eleições de 1988, mas acabaria por falhar a reeleição em 1992. Seria preciso esperar 12 anos até que o seu filho, George Walker, voltasse a inscrever o nome Bush na lista dos presidentes norte-americanos, de 2000 a 2008.

Os dois mandatos que separaram Bush pai e Bush filho foram ocupados por Bill Clinton, entre 1992 e 2000. Em 2008, o “Yes, we can” de Barack Obama, que acabaria por tomar conta do país, teve de derrotar o “Yes, we will” que Hillary Clinton repetiu durante uma acção de campanha nas primárias desse ano, no estado do Ohio.

Ao todo, os nomes Bush e Clinton dormiram e trabalharam no centro do poder em Washington durante 28 anos consecutivos – como Presidente na Casa Branca; como vice-presidente na residência oficial no Observatório Naval dos Estados Unidos, também na capital norte-americana.

Para uma perspectiva mais abrangente sobre a importância dos nomes nas eleições presidenciais norte-americanas – num país historicamente antimonárquico e visto como um exemplo de meritocracia e facilitador da ascensão social – fica uma mensagem partilhada no Twitter por Matt O’Brien, especialista em Economia no Wonkblog, do jornal The Washington Post: “Os republicanos não vencem uma eleição presidencial sem um Bush ou um Nixon na corrida desde… 1928!” Do lado do Partido Democrata, só o assassinato de Robert F. Kennedy, em 1968, travou uma outra sucessão familiar, mas o palco agora volta a ser dos Clinton.

 “Os americanos de hoje conhecem a sua história suficientemente bem – e se é verdade que não estão ansiosos por repeti-la, parecem estar, pelo menos, resignados à sua repetição. Como explicar de outra forma o cenário que se vai tornando mais provável a cada dia que passa: uma eleição presidencial Bush contra Clinton em 2016?”, questiona o jornalista David A. Graham, editor de Política da revista The Atlantic.

O autor dá voz a uma corrente de opinião nos Estados Unidos – certamente não maioritária, como indicam as sondagens – que vê nos nomes Bush e Clinton um passado que é preciso deixar para trás. “Pode-se concluir que não se trata exactamente de uma realeza, mas é suficientemente semelhante: não foi por causa disto que os colonos fizeram uma revolução para escapar à monarquia britânica? Não surpreende que o cenário [de uma corrida entre Jeb Bush e Hillary Clinton] seja perturbador, particularmente numa época de aumento das desigualdades e de uma mobilidade social calcificada.”

A explicação para o paradoxo pode estar na forma como os eleitores norte-americanos têm avaliado os últimos anos da Administração Obama e com o facto de o passado estar lá longe, fora dos limites da memória. “Nomes como Clinton e Bush trazem à memória um passado que pode não ter sido mais cor-de-rosa do que a actualidade, mas que parece ser, quando é visto com os olhos de 2014. Outros candidatos podem oferecer uma expectativa de melhoria, mas porquê arriscar no desconhecido, seja Rand Paul ou Martin O’Malley?”, escreve David A. Graham, referindo-se a outros dois prováveis candidatos – o primeiro pelo Partido Republicano e o segundo pelo Partido Democrata.

Ainda faltam dois anos para as eleições, e tudo pode mudar com um simples tweet mal calculado, mas as sondagens não deixam dúvidas de que Hillary Clinton deixa a concorrência a quilómetros de distância – na luta contra os seus colegas de partido, nas eleições primárias, mas também na corrida à Casa Branca contra o candidato do Partido Republicano. E tudo isto sem que a antiga secretária de Estado da Administração Obama tenha ainda anunciado oficialmente a sua candidatura.

Entre as várias sondagens publicadas nos últimos meses, é impossível encontrar uma que não lhe abra as portas da Casa Branca em 2016, muitas delas com diferenças superiores a dez pontos percentuais. No interior do seu partido, apesar de uma quebra no último mês, o seu índice de popularidade mantém-se na casa dos 60%.

Entre os republicanos a questão é mais confusa. O “establishment” do partido quer unir-se à volta de um único candidato o mais cedo possível, para retirar força a nomes mais radicais como Ted Cruz, um dos “príncipes” do movimento Tea Party, mas a vantagem de Jeb Bush pode ser rapidamente anulada por nomes como Mitt Romney, derrotado por Obama em 2012, ou Chris Christie, o governador do estado de Nova Jérsia.

Apesar da estranheza com que alguns analistas têm recebido a possibilidade de um confronto entre Bush e Clinton em 2016, a insatisfação com o presente pode explicar o tal futuro que mais parece um regresso ao passado.

“Washington está dividida, e os eleitores e financiadores de campanhas querem pessoas que parecem saber o que fazem. A familiaridade desses nomes torna-se um enorme benefício e compensa qualquer sentimento do tipo ‘Oh, meu Deus, não acredito que vão candidatar-se outra vez’”, diz o historiador Julian Zelizer, da Universidade de Princeton, à Associated Press.

“Tudo se resume a alternativas”, diz o mesmo especialista. “Se essas forem as melhores alternativas, os eleitores esquecem-se do resto.”

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