Retratos da crise em ferro e ouro, notas de euro ou bonecos Playmobil

Artistas sentem que não podem estar calados perante uma situação cruel que não devia deixar ninguém indiferente. Três gregos encontraram o seu modo de retratar a crise – e de lidar com ela.

A escultura de Tasos Nyfadopoulos
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A escultura de Tasos Nyfadopoulos DR
Uma das notas de Stefanos
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Uma das notas de Stefanos DR
Um dos bonecos de Nikos Papadoupoulos
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Um dos bonecos de Nikos Papadoupoulos DR

Tasos Nyfadopoulos diz que quando era novo, era ingénuo. Tem 23 anos, e está a falar de quando tinha 18. Foi então que imaginou uma escultura sobre a crise, fez uma maqueta, e foi oferecê-la a vários organismos locais. Para ele, não fazia sentido que o país estivesse a viver uma situação excepcional e não houvesse arte pública a reflecti-lo.

Recebeu um não, e outro, e outro. “Apenas num dos sítios me disseram que não aceitavam porque a escultura não estava de acordo com as ideias do partido em maioria”, conta, sentado no seu atelier numa garagem num subúrbio de Atenas. Depois de um ano e meio a receber nãos, veio um sim. Começou a trabalhar, e depois de quatro anos, em Maio deste ano foi inaugurada a escultura – o primeiro monumento público sobre a crise na Europa.

Para Tasos Nyfadopoulos (http://tasosnyfadopoulos.com/), é importante que daqui a 50 anos, quando se olhar para trás, se veja arte que reflectiu a experiência da crise, que é uma situação sem precedentes e sem paralelo, sublinha.

A escultura mostra um homem a cair de uma seta de um gráfico a descer. A maioria das pessoas vê aqui um suicídio, mas Tasos diz que não é bem assim: pode ser uma pessoa a lançar-se para fora da situação. A cara está feita com duas metades ligeiramente diferentes, se apenas fosse visto um lado, ver-se-ia uma expressão contrária. O homem que salta tem um pé descalço e outro com um sapato, as mãos estão diferentes.

Ao vivo, vêem-se sempre os dois lados, e no local em que está – mesmo no final de uma das linhas de metro, numa estrada que vai dar à costa, a sensação que sobressai é de que de algum modo, ele vai morrer quando cair. A reacção das pessoas sublinha este lado: a escultura já teve várias vezes flores a seus pés.

 A morte é justamente o tema que sobressai uma e outra vez do trabalho do designer gráfico Stefanos, que aceita ser entrevistado apenas por email e não divulga o apelido. Stefanos desenha em notas de euro, e foi aconselhado a não aparecer publicamente com esta actividade, já que é proibido desenhar em notas.

O projecto Banknotes (http://banknotes.gr/) começou depois de receber a notícia de um suicídio de um amigo. O sufoco foi demasiado forte, e Stefanos desenhou uma figura enforcada com a corda a cair do cimo do arco de uma nota de cinco euros.

Foi a primeira de muitas. Outros desenhos mostram pessoas a serem arrastadas, quase como no cartaz do Vertigo, de Hitchcock, para um buraco negro numa nota de dez euros. Numa nota de 200 euros vê-se um assalto. Ou, numa nota de 50 euros, a morte, de capuz e foice. “O tema que mais repeti foi esse, o da morte”, diz Stefanos por mail. Ele vai-se inspirando nas notícias e no que vê, e é a morte o que mais simboliza o pesado custo humano da crise.

Stefanos desenha nas notas, publica as imagens no seu site, e põe-nas a circular. Já pagou a renda com uma nota de 500 euros desenhada, mas diz que não se lembra onde gastou a maioria. Deixa-as livres, a circular, esperando que saiam da Grécia (o Brisith Museum vai ter duas das suas notas na sua colecção de dinheiro).

A ideia central é esta: “usar um documento que passa fronteiras para assinalar uma era de opressão na União Europeia” – que, a pretexto de controlar os problemas financeiros, está a interferir politicamente no país, considera.                  

Tal como no caso de Stefanos, Nikos Papadoupoulos, 36 anos, começou um blogue com fotografias como escape para a dura realidade da crise, e “porque nesta situação não se pode ficar calado”.

Nikos, doutorado em astrofísica e guionista profissional que vive em Salónica, contou por email como começou a usar os bonecos Playmobil do filho em cenas do quotidiano da crise – um boneco sem abrigo ao lado de uma caixa multibanco, um a sair de um caixote do lixo com uma bandeira a dizer “não”. “São comentários políticos e sociais através de um objecto inocente da nossa infância”, diz, por mail. “É o meu modo de expressão e a minha terapia ao mesmo tempo.”

Um dia, ao brincar com os bonecos Playmobil do filho, “fez-se luz”. “Quando ponho este objecto puro e inocente numa cena humana cruel, quero que as pessoas tenham esse sentimento puro e inocente de quando eram crianças – esse que perdemos e nos torna apáticos e insensíveis perante cenas humanas cruéis que nos deviam chocar.” Assim nasceu o seu blogue Plasticobilism ( http://plasticobilism.blogspot.gr/). 

Na Grécia, a situação é dominada “pela pobreza, desemprego e a ansiedade pelo amanhã”, sublinha Nikos. Isto retirou aos gregos três características que sempre fizeram parte do núcleo central da sua identidade: “a esperança, o optimismo e o sorriso”.

A economia grega contraiu-se em 25% do PIB, o desemprego afecta mais de metade dos jovens (e muitos outros têm empregos precários), os serviços básicos do Estado falham. Os jovens “não se atrevem a ter uma família, porque ou estão desempregados ou não sabem se vão estar no dia seguinte.”

Quanto ao referendo e à situação política, todos têm opiniões semelhantes.

Tasos acha que é uma escolha entre um mal que se conhece e um mal que pode ser ainda maior no imediato, mas que poderá (ou não, admite) levar a uma recuperação. “É uma escolha mais do que para nós, para os nossos filhos e os filhos dos nossos filhos”, defende o mais jovem dos artistas. Implique o voto no “não” o que implicar, euro ou outra moeda – e ele acha que “a pergunta é sobre as medidas, não sobre o euro”.

Stefanos não diz o que vai votar. Mas comenta: “O que é proposto pelas instituições está destinado a falhar – não é uma questão de opinião, é um facto.” O que quer que aconteça, “fomos postos num processo que nos mudou enquanto nação, e penso que a longo prazo vamos ficar bem.” A União Europeia, conclui, “está separada na sua unidade”.

Nikos já tinha dito que ia votar “não” com os seus bonecos (logo após o referendo postou um boneco com a bandeira da Grécia e um cartaz a dizer “oxi”) e agora explica com palavras: “Votar ‘não’ significa para mim dignidade e orgulho, independência e justiça. É um grito de ‘chega de austeridade’. E de ‘sim’ à Europa, a uma Europa democrática”. Para ele o resultado desejável era que o ‘não’ levasse a um acordo com restruturação da dívida e a uma “solução sustentável”.

Tasos explica como lhe foi difícil ouvir tantas recusas até que a sua escultura fosse aceite. “Levas um golpe e cais, e sabes que se te levantares e continuares a tentar, vais levar outros que vão doer, mas tens esperança, e levantas-te. Deixares-te ficar é mais fácil. Mas aí tens de abdicar da esperança”. Ele pára um bocado para pensar; há aqui uma analogia com o referendo. “No domingo, o ‘sim’, para mim, é ficarmos deitados. E eu não quero desistir da esperança.”

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