Republicanos ignoram Obama e escrevem carta ao Irão contra acordo nuclear
Membros do Senado defendem que um eventual acordo pode ser revogado no futuro. A Casa Branca acusa membros do Partido Republicano de violarem as regras da política externa.
Vários republicanos no Senado dos EUA escreveram uma carta aos líderes do Irão, alertando que um acordo sobre o seu programa nuclear pode ser anulado por um futuro Presidente norte-americano. A carta foi divulgada na noite de segunda-feira – madrugada de terça em Portugal continental – e, a poucas semanas do prazo-limite para o fim das negociações sobre o programa nuclear no Irão, é vista como uma tentativa pouco convencional para anular um possível acordo.
Washington e Irão responderam à carta. O Presidente dos EUA, Barack Obama, acusou os republicanos de “tentarem construir uma causa-comum com iranianos ortodoxos”. Já Teerão recusou-se a dar validade ao comunicado republicano. Pela voz do seu ministro dos Negócios Estrangeiros, Mohammad Javad Zarif, o Governo iraniano declarou que o documento não passa “de um esquema de propaganda” e que é desprovido “de valor legal”.
A carta é da autoria de Tom Cotton, senador republicano do Arcansas, foi assinada pela quase totalidade do partido no Senado (apenas sete não a subscreveram). Citada pelo New York Times, na carta lê-se que "o próximo Presidente pode revogar um acordo executivo com um simples movimento da caneta e um futuro Congresso pode modificar os termos do acordo".
A Casa Branca acusou os republicanos de se intrometerem na política externa do Governo e membros do Partido Democrata dizem que esta se trata de uma tentativa de desautorizar o Presidente dos EUA. "A carta serve apenas um propósito: destruir uma negociação em curso", afirmou a democrata Dianne Feinstein, citada pelo Washington Post.
A divisão entre Partido Republicano e Democrata tem vindo a aprofundar-se ao longo das últimas semanas. Em cima da mesa está uma proposta que visa limitar a capacidade do Irão de avançar com o seu programa nuclear por um período de, no mínimo, dez anos. O Irão manteria assim a actual infra-estrutura nuclear e, em troca, as sanções contra o país seriam aligeiradas.
Até ao momento esta parece ser a melhor possibilidade de acordo. No entanto, o Irão continua a declarar-se contra a proposta.
As negociações têm ocorrido entre o Irão e seis potências: EUA, China, França, Alemanha, Reino Unido e Rússia. O secretário de Estado norte-americano, John Kerry, reunir-se-á com o Irão e os seus parceiros internacionais no domingo, na Suíça. O prazo final para um acordo está agendado para o final do mês.
Os membros do Partido Republicano – assim como alguns democratas – afirmam que o acordo é perigoso e que, mesmo pressupondo inspecções periódicas aos reactores de Teerão, o país pode mesmo assim conseguir desenvolver uma arma nuclear.
O primeiro-ministro israelita concorda com a visão dos republicanos. Por essa razão discursou no Congresso norte-americano a convite do Partido Republicano no início deste mês. Ao longo da intervenção muitas vezes ovacionada, Benjamin Netanyahu criticou a proposta de acordo e disse que esta deixa o caminho livre para o Irão construir uma bomba nuclear.
“Se o acordo que está a ser agora negociado for aceite com o Irão, isto não vai impedir que o Irão chegue a ter armas nucleares”, disse então o primeiro-ministro israelita.
A visita aos EUA de Netanyahu – em campanha eleitoral e a convite dos republicanos – gerou críticas vindas da Casa Branca. Barack Obama não se reuniu com o chefe de Estado israelita, que acusa de não ter uma contra-proposta razoável para um entendimento com o Irão.
A questão legal
Os membros do Partido Republicano recusam ter violado o protocolo da política externa norte-americana. Isto porque, afirmam, o documento trata-se de uma carta aberta que pretende esclarecer os responsáveis iranianos sobre “o sistema constitucional [norte-americano] e promover o esclarecimento (…) nas negociações nucleares em curso”.
De facto, a carta de Tom Cotton defende que acordo futuro será apenas uma decisão executiva – exclusivamente do Presidente, sem a aprovação do Congresso –, o que permitirá a um seu sucessor revogar a decisão.
Mas essa não é a perspectiva do ministro dos Negócios Estrangeiros do Irão. Em resposta à carta dos senadores republicanos, Mohammad Javad Zarif apresenta um argumento legal diferente.
“Os autores [da carta] podem não compreender na totalidade que, na lei internacional, os Governos representam inteiramente os seus Estados” afirmou Javad Zarif, citado pela revista Foreign Affairs. O ministro iraniano sublinha ainda que as negociações envolvem mais países e não apenas os EUA e o Irão, o que retira de cena as provisões da lei interna norte-americana.
“[Os Governos] não podem evocar a sua lei interna como justificação para não cumprirem as suas obrigações internacionais”, conclui Javad Zarif.