Refugiados sírios revelam fracasso da política de asilo europeia

“Está na hora de haver um sistema europeu de quotas que distribua requerentes de asilo entre os Estados-membros", defende eurodeputada sueca.

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Refugiados sírios na Turquia FLORIAN CHOBLET/AFP

Os refugiados que fogem do conflito na Síria não têm como requerer legalmente asilo a países europeus, denuncia a eurodeputada liberal sueca Cecilia Wikström, num artigo publicado no site EUObserver.

Isto porque muitos países europeus apenas aceitam pedidos de asilo de pessoas que já se encontrem no seu território. O que leva muitos sírios, mas não só, a tentarem chegar à Europa por todos os meios, por vezes à custa da sua própria vida.

Em Setembro de 2014, durante a sua audição diante do Parlamento Europeu, o actual comissário Europeu para a Migração e Assuntos Internos, Dimitris Avramopoulos, apresentou uma proposta ousada: dar às delegações da União Europeia (UE) em países terceiros a capacidade de processar pedidos de asilo directamente.

Algo impossível na actual repartição de competências entre Estados-membros e UE. No entanto, Wikström defende que é preciso dar a possibilidade a mais pessoas de submeterem pedidos de asilo. “Entristece-me o facto de em 2015 ainda não haver maneiras legais que permitam aos refugiados chegarem à Europa para procurar asilo.”

Apenas 35 mil sírios receberam asilo na UE em 2013, e desses, mais de metade foram acolhidos por dois países: Suécia e Alemanha. Uma situação que já levou o Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados, António Guterres, a afirmar que o sistema europeu de asilo é “disfuncional.”

“A Suécia e a Alemanha estão a fazer a coisa certa, mas é absolutamente essencial que outros países façam o mesmo, que todos assumam as responsabilidades”, declarou Guterres numa conferência de imprensa em Estocolmo na semana passada.

A Suécia é de longe o país mais generoso. O país, cuja população não excede os 9,5 milhões de habitantes, recebeu cerca de 81 mil refugiados em 2014, segundo dados do gabinete de imigração sueco. Já a Finlândia, por exemplo, prevê acolher apenas 1050 pessoas.

“Orgulho-me do facto de a Suécia ter concedido asilo a 26 mil sírios o ano passado, tantos quanto a Alemanha”, escreveu Wikström. Realça no entanto que os outros países devem fazer mais para ajudar quem foge da violência. “Está na hora de haver um sistema europeu de quotas que distribua requerentes de asilo entre os Estados-membros, tomando em conta a população, o PIB e outros factores relevantes”, defende Wikström. Um sistema de quotas também foi proposto pelo ACNUR.

A crise humanitária tem exposto as insuficiências da política europeia em matéria de asilo, que deveria já ter dado à luz um “Sistema Europeu Comum de Asilo”, para o qual os "28" se comprometeram a trabalhar no Conselho Europeu de Tampere em 1999.

Desde então, a UE avançou com legislação em certas áreas, como os direitos dos requerentes de asilo, processamento dos pedidos e, crucialmente, os critérios que devem ser tomados em conta para conceder o estatuto de refugiado. Mas no terreno pouco mudou. Pior, o chamado “Regulamento Dublin”, que determina que o país de entrada na UE seja o país responsável pelo pedido de asilo, tem causado dificuldades a países como a Itália, a Grécia e a Bulgária, por onde entram a maior parte dos refugiados.

Na Grécia, a crise migratória tem sido um dos factores para a subida das forças de extrema-direita, e a situação humanitária nos campos de refugiados gregos (onde milhares de sírios esperam para poderem pedir asilo) está tão degradada que vários países europeus já proíbem as suas autoridades de deportarem imigrantes ilegais para aquele país.

O mundo vive por esta altura a pior crise em matéria de refugiados e deslocados desde a II Guerra Mundial, segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados. O conflito na Síria, em particular, tem causado um número impressionante de deslocados, com possivelmente dez milhões de sírios a terem tido que abandonar as suas casas, e dois milhões a viverem em campos de refugiados nos países vizinhos, essencialmente na Turquia, no Líbano e na Jordânia, em condições deficientes.

Com as crises humanitárias às portas da Europa a multiplicarem-se, e o tráfico de pessoas no Mediterrâneo a tornar-se uma indústria multimilionária, os problemas causados pela ausência de uma política de asilo comum eficaz deverão agravar-se. Só o naufrágio que ocorreu nesta quarta-feira perto de Lampedusa poderá ter feito 300 vítimas.

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