Rebeldes sírios unidos, agora contra a Al-Qaeda, numa “segunda revolução”

Bashar al-Assad é o grande vencedor do caos da guerra síria. No Norte do país, a oposição organiza-se para enfrentar os jihadistas estrangeiros.

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Rebeldes do Exército Livre da Síria em Alepo Zain Karam/Reuters

Na narrativa do regime, os manifestantes eram terroristas e conspiradores, apoiados por forças externas. Não eram. Eram sírios, que ousaram desafiar Bashar al-Assad. Quase três anos e muitas desgraças se passaram. Uma das maiores chama-se precisamente terror, o terror espalhado por todos os criminosos que dizem combater em nome da sua interpretação do islão. A oposição síria já lutava em duas frentes, contra um regime mortífero e contra jihadistas estrangeiros – que atacam na Síria como no Líbano e no Iraque –, agora decidiu fazê-lo de forma organizada.

Uma nova aliança chamada Exército dos Muhajedin (como eram chamados os combatentes que partiram para o Afeganistão e lá combateram os soviéticos nos anos 1980) integra três grandes grupos de rebeldes e conta com o apoio da oposição política. O seu grande objectivo é derrubar o Estado Islâmico do Iraque e do Levante (conhecido por ISIS), o rosto da Al-Qaeda na Síria, particularmente activo em duas províncias do Norte, Idlib e Alepo.

Dois bastiões, Atareb e Andana, perto de Alepo, são os primeiros alvos desta ofensiva, que começou na sexta-feira. “Pelo menos 36 combatentes membros e próximos do ISIS foram mortos na província de Idlib e uma centena foram capturados por rebeldes nesta região”, disse este sábado o Observatório Sírio dos Direitos Humanos, uma ONG ligada à oposição.

Não faltam motivos para declarar guerra ao ISIS. No Norte da Síria, todos têm histórias de horror e descrevem como é que estes combatentes, a sua maioria estrangeiros, matam, raptam e torturam em cada terra que tomam. Centenas de sírios foram raptados nos últimos meses, o mesmo destino de mais de 30 estrangeiros, entre médicos, membros de ONG e jornalistas.

Uma das últimas vítimas do ISIS foi o médico Hussein al-Suleiman, figura importante da oposição, conhecido como Abu Rayyan. Muitas das pequenas manifestações que os sírios ainda encontram coragem para organizar às sextas-feiras foram desta vez em sua homenagem. “Sexta-feira do mártir Abu Rayyan”, foi o slogan de protestos onde se gritou “Abaixo Assad e o ISIS”, “Esmaguem Assad e o ISIS” e “Viva o Exército Livre da Síria”, o primeiro grupo da oposição armada, criado logo no Verão de 2011 por desertores e civis para proteger as cidades e as vilas da mão dura do regime.

Para além do Exército Livre e dos membros do novo Exército dos Mujahedin, dois grupos de islamistas considerados moderados, que reúnem dezenas de milhares de combatentes, a Frente Islâmica e a Frente Revolucionária, declararam guerra ao ISIS. “Pedimos ao ISIS para se retirar imediatamente de Atareb… e lembramos que aqueles que libertaram Atareb [do regime de Assad] são os mesmos que vocês combatem hoje”, afirmou a Frente Islâmica.  

Muitos sírios aguardam por cada sexta-feira para saber o que Kafranbel lhes preparou: o Comité da Revolução da pequena vila rural dos arredores de Idlib tem sempre faixas em árabe e em inglês e mensagens dirigidas ao mundo, comentando a actualidade com humor. Desta vez, os cartazes eram dedicados ao ISIS, que apareciam como extraterrestres, em cartazes a lembrar os filmes da série Alien. “Precisamos de acção directa imediata a unificada, Exército Livre da Síria contra o ISIS”, escreveram os activistas de Kafranbel na primeira sexta-feira do ano.

O caminho da revolução

“A revolução regressou ao caminho certo”, comentou no Facebook um activista de Idlib, Ibrahim al-Idelbi. “3 de Janeiro de 2014: início da revolução contra o ISIS”, escreveu Ammar, da região costeira de Lataquia.

O combate não se avizinha fácil – a existência de combatentes estrangeiros na Síria já custou muito à oposição armada e não parou de beneficiar Assad. Por causa destes grupos de extremistas, os países ocidentais hesitaram e muito em apoiar os rebeldes. Em Dezembro, a pouca ajuda que seguia dos Estados Unidos e do Reino Unido foi suspensa quando uma coligação de radicais assumiu o controlo do acesso à fronteira com a Turquia na província de Idlib e tomou depósitos de armas do Exército Livre.

Mais impressionante é a recuperação de Assad, que há um ano tinha a oposição à sua porta, a combatê-lo em Alepo e na capital, Damasco, e agora avança tranquilamente pelo país, recuperando regiões e esmagando cidades com pouco resistência. Só na recente ofensiva contra Alepo, constantemente atingida por barris de explosivos largados por aviões, 500 civis foram mortos em 15 dias, incluindo 150 crianças, diz o Observatório Sírio dos Direitos Humanos.

O cenário começou a mudar em Março, em parte com a ajuda do Hezbollah libanês, dos seus financiadores, o Irão, e de milícias iraquianas xiitas que também decidiram vir em seu auxílio com receio de um regime árabe sunita em Damasco. Em Agosto, aconteceram os ataques com gás sarin, que mataram mais de 1400 pessoas nos arredores da capital e, em vez de enfraquecerem, fortaleceram ainda mais Assad. Rebeldes a combaterem jihadistas e o ditador a assistir, EUA e Israel a concluírem que face aos extremistas talvez seja aceitável manter tudo na mesma, o que mais poderia pedir o Presidente sírio?
 
 

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