“Raízes judaico-cristãs”

Na Alemanha, os manifestantes contrários à política de imigração socorreram-se, como arma retórica, das “raízes judaico-cristãs” da cultura ocidental e, em particular, da cultura política alemã contemporânea tal como expressa na Constituição de Bona. Lamentavelmente, ao fazê-lo, subverteram por completo a radicação a que apelavam.

A Constituição de Bona assenta efetivamente numa responsabilidade do povo alemão “perante Deus e perante os homens” e tem como princípio estruturante a dignidade humana entendida como “igualdade fundamental de todos na humanidade comum”, na formulação de Joseph Ratzinger.

Sucede que esse apelo, conexo com uma tomada de consciência histórica, é em tudo responsabilizador e inclusivo. Significa sobretudo a assunção permanente de um dever perante o outro enquanto humano, meramente humano. Está nele implícito o projeto verdadeiramente revolucionário de construir uma comunidade política não assente no medo – e, partir dele, na inimizade e na exclusão – mas na verdadeira coragem sempre envolvida na abertura ao outro, na responsabilidade e na inclusão.

Um projeto tanto mais revolucionário quanto permita a todos os que nele participem compreendê-lo e assumi-lo, quer a partir das suas proclamadas bases, quer a partir da elaboração ou reelaboração das suas distintas heranças e tradições. E também por isto se compreende como é perverso o apelo dos manifestantes alemães: nas suas palavras, os valores decorrentes daquelas “raízes” passam paradoxalmente a ser valores impartilháveis.

Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

 

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