Radicais conquistam mais terreno no Iraque e provocam fuga de 180 mil pessoas

Obama recebeu chefes militares dos países envolvidos raides e vai falar com os aliados europeus sobre a estratégia. Turquia acusa curdos de usarem Kobani como pretexto para lançarem uma revolta.

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Mais de 200 mil habitantes da zona de Kobani fugiram para a Turquia Aris Messinis/AFP

Os radicais do Estado Islâmico avançam militarmente no Iraque, ao mesmo tempo que combatem as forças curdas em Kobani – ajudados pelos ataques aéreos estrangeiros, os curdos evitam a cada dia a queda da estratégia cidade fronteiriça com a Turquia, mas esta ameaça permanece real. Barack Obama preparava-se esta quarta-feira para falar por videoconferência com os aliados europeus, um dia depois de ter recebido os chefes militares dos países envolvidos nas operações contra o EI.

Do outro lado da fronteira, 180 mil pessoas fugiram dos confrontos entre o EI e as forças iraquianas na cidade de Hit, província de Anbar, diz a ONU. São 30 mil famílias, “muitas delas a experimentarem a sua segunda, terceira ou quarta fuga, e que deixaram a cidade nos últimos dias”.

A captura da cidade de Hit, na semana passada, deixou o Governo em estado de alarme: já pouco falta ao EI para controlar a província de Anbar, que se estende da fronteira até à província de Bagdad. Apesar dos raides aéreos da coligação liderada pelos Estados Unidos, o EI continua a avançar na zona e capturou uma base abandonada com viaturas militares, incluindo tanques.

Os jihadistas atacam ainda a cidade de Amariya al-Falluja, uma das últimas que as forças governamentais ainda controlam nesta província, situada a apenas 40 quilómetros da capital.

Os responsáveis de Anbar apelaram a Bagdad para pedir a Washington apoio terrestre, algo que o primeiro-ministro, Haider al-Abadi, recusa, mas que Obama também rejeita – em Washington, muitos defendem que o EI só pode ser derrotado com forças no terreno, mas a Administração não admite essa possibilidade e insiste que a guerra no Iraque terá de ser vencida pelos iraquianos.

Progressos e recuos
Barack Obama preparava-se esta quarta-feira para falar por videoconferência com os aliados europeus, um dia depois de ter recebido os chefes militares dos países envolvidos nas operações contra o EI. O encontro, na base militar de Andrews, no Maryland, serviu para uma reavaliação da estratégia, pouco mais de dois meses depois do início dos ataques aéreos. Depois de ouvir os chefes do Estado-maior de uns 20 países, o Presidente norte-americano repetiu que esta será uma campanha “de longo prazo”, sem “soluções rápidas”, que incluirá, “como qualquer outro esforço militar, dias de progressos e períodos de recuos”.

Presente no encontro esteve a Turquia, país que continua a recusar juntar-se à coligação até que o mandato desta inclua combater o regime de Bashar al-Assad e estabelecer uma zona de exclusão aérea, há muito defendida por Ancara, ao longo da fronteira que une o país à Síria.

Nos últimos dias, responsáveis norte-americanos e turcos têm-se contradito sobre a possibilidade de os aviões dos EUA usarem a base turca de Incirlik, perto da fronteira. Washington diz que já recebeu autorização; os turcos garantem que o assunto está a ser negociado.

No terreno, as autoridades turcas também continuam a impedir que as tropas que defendem Kobani – cercadas pelos jihadistas por todos os lados menos por norte, na direcção da Turquia, sejam reabastecidas.

“Os que vieram da Síria podem regressar para se juntar à luta”, afirmou o primeiro-ministro turco, Ahmet Davutoglu, repetindo que o seu Governo recusará a passagem a cidadãos de outras nacionalidades, nomeadamente turcos. Nem mesmo os sírios conseguem sempre passar – há relatos de muitos impedidos de o fazer –, muito menos com armas.

Paris, turcos e curdos
Mas o que Ancara quer realmente impedir é que a sua população curda (especificamente os combatentes do PKK, Partido dos Trabalhadores do Curdistão) se una aos combates; os curdos já ameaçaram, aliás, abandonar as negociações de paz em curso na Turquia se esta não ajudar Kobani, com alguns a lembrarem que Ancara não foi tão eficaz a impedir a entrada de jihadistas estrangeiros na Síria.

Davutoglu reagia ao pedido do Governo francês para abrir a fronteira: “Não é aceitável afirmar que esta crise existe porque a Turquia não abre as suas fronteiras. É fácil falar a partir de Paris”, afirmou. “Nós não deixamos cidadãos turcos entrarem na Síria porque não queremos que eles participem no conflito sírio. E tentamos bloquear os que tentam fazê-lo ilegalmente.”

A queda de Kobani já parece ter estado mais iminente. O EI, que controlava 50% da cidade, fez grandes avanços ao longo da semana passada, mas esta quarta-feira “as forças curdas recuperaram duas posições num bairro do nordeste”, diz o Observatório Sírio dos Direitos Humanos, ONG síria com sede em Londres e uma rede de activistas na Síria. Os curdos no terreno são quase todos membros do YPG (Unidades de Defesa do Povo), a milícia do PYD (Partido da União Democrática, que governava várias zonas conquistadas às forças de Bashar al-Assad).

"O que está em causa não é Kobani, o que eles querem é lançar a revolta que há muito desejam utilizando Kobani como pretexto", acusou Bülent Arinç, adjunto de Davutoglu, referindo-se ao YPG, partido muito próximo do PKK turco. A ONU tem avisado para a iminência de um massacre na cidade, mas Arinç garante que já não se encontram lá civis - o YPG, pelo contrário, afirma que ainda há 2000.

Desde 16 de Setembro, quando começou a ofensiva contra Kobani, já morreram 600 pessoas, na maioria combatentes, e umas 70 vilas foram capturadas pelo EI. Mais de 300 mil habitantes fugiram, incluindo mais de 200 mil para a Turquia e outros milhares para o Iraque.

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