TPI condena a nove anos de prisão jihadista que destruiu património de Tombuctu

É o primeiro veredicto a afirmar a destruição de monumentos como um crime de guerra e grupos de defesa dos direitos humanos e especialistas em direito esperam que sirva para travar uma devastação associada aos conflitos.

Foto
Ahmad al-Madhi declarou-se culpado e arrependido pelos crimes que cometeu Bas Czerwinski/AFP

O Tribunal Penal Internacional (TPI) condenou a nove anos de prisão o jihadista maliano Ahmad al-Faqui al-Madhi, chefe da polícia de costumes que destruiu monumentos classificados de Tombuctu quando, há quatro anos, os extremistas islâmicos tomaram a milenar cidade no deserto. É o primeiro veredicto a afirmar a destruição de património cultural como um crime de guerra.

Entre Junho e Julho de 2012, “dez dos mais importantes e conhecidos monumentos de Tombuctu foram atacados e destruídos… uma acção de guerra destinada a quebrar a alma do povo”, declarou o juiz-presidente Raul Pangalangan na leitura da sentença que põe fim a um julgamento com muitos inéditos. Além de centrado nos danos causados a uma cidade classificada pela Unesco como Património da Humanidade, foi a primeira vez que a instância internacional sentou um jihadista no banco dos réus, a primeira vez que julgou atrocidades cometidas durante a guerra no Mali, entre 2012 e 2013, e também a primeira vez em que o acusado assumiu a culpa em tribunal.

Madhi, de 41 anos, tinha estudado em Tombuctu e residia ali quando uma coligação de extremistas encabeçada pela Ansar al-Dine, grupo jihadista ligado à Al-Qaeda, aproveitou a instabilidade gerada por um golpe militar para se apoderar do Norte do Mali, avançando depois para a cidade no deserto. Recrutado pelos seus supostos conhecimentos teológicos e o domínio do árabe, foi incumbido de chefiar a Hisbah, uma polícia de costumes criada pelos radicais para impor uma versão extrema da sharia (a lei islâmica) e que durante os dez meses de ocupação cometeu inúmeras atrocidades contra a população – quem fumasse em público era chicoteado, as mãos dos suspeitos de roubo amputadas, inúmeras mulheres foram violadas e muitos habitantes torturados.

Mas não foi por esses crimes que Madhi se sentou agora no banco dos réus, numa decisão que as organizações de defesa dos direitos humanos lamentaram no início do julgamento. O antigo professor foi condenado por ter participado – directamente ou ordenando aos homens sob o seu comando que o fizessem – na destruição de nove dos 16 mausoléus de Tombuctu e da mítica porta da mesquita de Sidi Yahya (século XV), que, como todo o património da cidade, os extremistas consideravam profano. Enquanto porta-voz dos radicais terá também justificado os ataques junto de jornalistas e em discursos públicos na cidade.  

“Senhor al-Mahdi, o crime pelo qual foi reconhecido como culpado é muito grave”, disse o juiz ao anunciar a sentença que reconheceu, ainda assim, como atenuantes a declaração de culpa do acusado, o arrependimento e a colaboração com o tribunal. Logo no início do julgamento, o maliano disse estar “cheio de remorsos e arrependimento” pela destruição do património daquele que foi um dos grandes centros de riqueza e de conhecimento da Idade Média – além dos edifícios destruídos, os radicais queimaram cerca de quatro mil manuscritos, muitos deles da era pré-islâmica. Atribuiu os seus actos ao “poder de influência” exercido pelos jihadistas e lançou um apelo aos muçulmanos para que resistam “a este género de acções”.  

“A decisão do TPI é uma etapa histórica no reconhecimento da importância do património para as comunidades que o preservaram ao longo de séculos e para toda a humanidade”, reagiu Irina Bokova, directora-geral da Unesco. Fatou Bensouda, procuradora do TPI responsável pelo caso, disse que o veredicto deve ser lido como “um aviso para os que cometem ou ponderam cometer estes crimes”.  

Depois de Tombuctu, um outro tesouro da humanidade – a cidade de Palmira, na Síria – foi delapidado pelos jihadistas, desta vez do autoproclamado Estado Islâmico, que atacaram também inúmero património histórico no vizinho Iraque. Os especialistas esperam que o julgamento de Madhi, por muito simbólico que seja, ajude a “pôr fim à impunidade” com que estes actos têm sido cometidos – em 2001 também os taliban afegãos destruíram os budas gigantes de Bamyan, um antigo centro budista na Rota da Seda. No entanto, quer a Síria quer o Iraque não são signatários do tratado fundador do TPI, pelo que o tribunal só pode investigar a destruição se for mandatado pelo Conselho de Segurança.

Sugerir correcção
Ler 2 comentários