Quando um dedo gigante antecipa umas eleições

Uma escultura provocatória erigida em Praga simboliza o descontentamento num país que vive uma crise política e económica e que vai às urnas no fim-de-semana.

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A estátua tem mais de 9 metros de altura David W Cerny/Reuters

As estátuas da Ponte Carlos, sobre o rio Moldava em Praga, são paragem obrigatória para turistas de todo o mundo que visitam a capital checa. Mas desde segunda-feira há outro elemento que se impõe no horizonte da cidade de Kafka. Uma mão gigante roxa feita em plástico, com o dedo do meio em riste, instalada numa plataforma flutuante, alinhado directamente com o palácio que serve de residência presidencial. Com eleições legislativas antecipadas na sexta-feira, os nove metros de simbolismo não podiam ser maiores.

“O dedo fala por si.” A afirmação, ao New York Times, do artista plástico responsável pela escultura polémica, David Cerny, deixa perceber a irritação que se sente entre os checos em relação ao seu Presidente, Milos Zeman, e aos partidos políticos que se apresentam a eleições na sexta-feira e no sábado.

Cerny, conhecido pela irreverência das suas obras, explica que “este dedo está apontado directamente ao castelo político”. “Depois de 23 anos, estou horrorizado com a hipótese de os comunistas poderem voltar ao poder e que Zeman os esteja a ajudar”, afirmou o artista ao NYT.

O país atravessa a maior recessão da Europa Central, um aumento do desemprego e vem de uma crise política que culminou com a queda do Governo de centro-direita, no Verão. O primeiro-ministro, Petr Necas, pediu, em Junho, a demissão na sequência de um escândalo de corrupção que envolvia um colaborador próximo. O Governo tecnocrata nomeado por Zeman não teve melhor sorte e acabou por perder a confiança do Parlamento, no início de Agosto, obrigando à antecipação das legislativas, que estavam marcadas para Maio de 2014.

As eleições podem, contudo, vir confundir ainda mais o panorama político actual da República Checa. As últimas sondagens, da autoria da empresa CVVM, citadas pela Reuters, dão uma vitória ao Partido Social-Democrata (CSSD), com 26% dos votos, seguidos do Partido Comunista da Boémia e da Morávia (herdeiro do partido único que dominou o país até ao colapso da União Soviética), com 18%.

Os sociais-democratas terão de assegurar o apoio parlamentar dos comunistas, para que possam formar governo. “Excluindo uma descida das intenções de votos em favor do CSSD, o cenário de um governo social-democrata com o apoio dos comunistas é o mais provável”, considera o politólogo Jiri Pehe, citado pela AFP. Esta solução teria de levantar uma proibição de 1995 em relação à cooperação, a nível governamental, do Partido Comunista, que esteve, desde 1989, arredado das soluções governativas.

O slogan da campanha dos sociais-democratas, “Um Estado que funciona bem”, deixa antever as principais linhas de força do programa do partido. Ancorado na popularidade do líder, Bohuslav Sobotka, o CSSD defende um Estado forte, garante dos direitos sociais, e promete um aumento dos impostos para os mais ricos, de acordo com uma análise da AFP.

As contas complicam-se com o crescimento da popularidade do partido centrista ANO, criado em 2011 pelo bilionário da indústria alimentar Andrej Babis, que tem capitalizado com o descontentamento do eleitorado em relação aos partidos mainstream. As sondagens apontam para um terceiro lugar, com 16,5% dos votos.

A sondagem da CVVM atribui apenas 6,5% ao anterior partido no Governo, o Partido Democrata Cívico, que desce de um resultado de 20,2% nas últimas eleições.

A hipótese de um governo minoritário liderado pelos sociais-democratas, e apoiado pelos comunistas, parece ser a mais provável, mas a revisão da lei de 1995 não estaria isenta de polémica. O anterior primeiro-ministro, Petr Necas, definia o Partido Comunista checo como “irreformável”. A alternativa seria um estranho governo entre a esquerda e a direita, cujas dificuldades para aprovar legislação seriam enormes.

Enquanto todos os cenários são ponderados, o dedo de Cerny continua a “assombrar” a classe política, lembrando os dirigentes partidários dos erros recentes.
 
 

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