Quando o candidato bate à porta duas vezes

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O primeiro-ministro conservador David Cameron numa acção porta-a-porta TOBY MELVILLE/AFP

Quando a campainha soou, eu estava absorto no computador. Só à segunda é que me levantei e fui abrir a porta. Era uma mulher e trazia uma prancheta na mão. Antecipei uma sondagem. Afinal, estávamos a duas semanas das eleições britânicas. Mas era antes um alerta.

- Olá, bom dia. Creio que se esqueceu da chave na fechadura – disse ela, apontando para o meu porta-chaves de facto pendurado do lado de fora.

- Oh, é mesmo. Nem tinha reparado – respondi. – Muito obrigado. Ando mesmo distraído.

Ela sorriu e seguiu o seu caminho.

Uma semana depois, a campainha tocou novamente.

- Olá. Esqueceu-se da chave na fechadura – era ela, a mesma mulher.

Boquiaberto e atónito, emudeci perante tamanha coincidência. Não só eu tinha deixado de novo a chave na porta, como ali estava a mesma pessoa a chamar-me a atenção para o esquecimento. Só ao fim de alguns segundos é que desbloqueei a voz:

- Mas.. mas não foi você que bateu aqui à porta na semana passada?

- Sim, fui eu – respondeu ela, também meio confusa. – Já agora, sou a candidata liberal-democrata às eleições por Guildford –  completou, estendendo-me um folheto.

Em Portugal, os candidatos vão às feiras. No Reino Unido, batem à porta dos eleitores.  A prática é antiga e resulta da forma como os deputados britânicos são escolhidos.

Há 650 círculos eleitorais – a maior parte dos quais com 60.000 a 80.000 eleitores. Em cada um deles, vota-se directamente nos candidatos, e não nos partidos. Quem obtiver o melhor resultado individual garante um lugar em Londres. Na prática, são 650 eleições em paralelo. E cada voto tem assim um peso maior.

Em Guildford, no afluente condado de Surrey, a sudoeste de Londres, há oito candidatos a disputar a preferência dos eleitores. Alguns vieram ter à nossa casa. Mas ficavam decepcionados quando eu lhes dizia:

- Lamento, mas não voto cá.

- Mas nessa morada estão registados três eleitores – referiu o candidato trabalhista, quando cá veio, consultando uma lista que tinha nas mãos. Expliquei-lhe que eram minha mulher e meus filhos, que só votavam para as autárquicas e que, quanto a mim, vivia em Portugal.

- Oh… - disse o aspirante a deputado, vendo logo que dali não sairia nada. Britanicamente polido, desejou-me tudo de bom e foi tentar a sorte com o vizinho.

Aparentemente, a mais-valia desta campanha face a face está sobretudo em identificar os simpatizantes, para depois lembrá-los de não se esquecerem de votar.

Aqui, numa zona dominada pelo Partido Conservador, a eleição está decidida. A candidata dos tories está confortavelmente à frente nas sondagens, de tal modo que nem a vi cá no bairro, nem a bater em casa nenhuma. Encontrei-a na rua principal da cidade num sábado, dia de compras, simplesmente a sorrir para os transeuntes, em clima de pré-vitória.

- É de Portugal? Nice country – disse-me e desconversou depois de notar que eu era eleitoralmente estéril.

Quem também não chegou a tocar a campainha em casa foram os membros do partido Cannabis é Melhor do Que Álcool – o CISTA, na sigla em inglês. Se calhar, começaram o porta-a-porta a distribuir alguma coisinha e acabou-se o stock antes de chegarem à nossa rua.

A concorrente liberal-democrata foi a última que aqui passou. Com menos da metade das intenções de voto do que a rival tory, não tem qualquer hipótese. Mas salvou-nos a casa duas vezes e pode por isso contar com pelo menos um voto de gratidão.

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