Qatar, mais uma “medalha” no triste currículo de Blatter

A organização do Mundial de futebol de 2022 pelo Qatar é mais ou menos como a passagem de Joseph Blatter pela presidência da FIFA: começou mal e, por muito sucesso financeiro que tenha, ficará manchada para sempre. Blatter foi eleito em 1998 para a presidência do organismo que gere o futebol mundial e cedo apareceram as primeiras suspeitas de que comprou votos para vencer o sueco Lennart Johansson na corrida pela sucessão de João Havelange.

Com o Qatar 2022 foi quase igual. A 2 de Dezembro de 2010, o espanto percorreu a sala da Casa da FIFA, em Zurique, onde Blatter anunciou que o pequeno emirado iria organizar o Mundial de futebol. O mesmo espanto percorreu depois o mundo e não tardou até que aparecessem suspeitas de corrupção no processo de votação. Em Janeiro deste ano, a revista France Football denunciava que o Qatar gastou 1,5 milhões de dólares para comprar votos, num esquema que envolvia Nicolas Sarkozy, ex-Presidente francês, e Michel Platini, presidente da UEFA.

O longo mandato de Joseph Blatter tem sido marcado por vários escândalos, quase todos relacionados com corrupção. Desde compra de votos em eleições e atribuições de grandes eventos, até corrupção nos megacontratos de venda de direitos televisivos dos Mundiais.

Do Mundial do Qatar 2022 só conhecemos até agora os escândalos e as polémicas: as suspeitas de compra de votos, a dúvida sobre se se realizará no Verão ou no Inverno e agora a confirmação das denúncias feitas pelo Guardian em Setembro: um relatório da Amnistia Internacional diz que os trabalhadores imigrantes são tratados como gado e os empregadores ficam com os passaportes dos trabalhadores, não os deixando sair do país.

Ironicamente, o relatório da Amnistia surge uma semana depois de Blatter ter visitado o país. O presidente da FIFA garantiu que estava tudo bem, que as leis do trabalho vão ser mudadas e, no Twitter, aconselhou as pessoas a “olharem para os esforços que estão a ser feitos para melhorar as condições de trabalho, antes de formarem opinião”.

Obrigado pelo conselho, senhor Blatter, mas já temos todos os dados para formar opinião. O primeiro é que não há qualquer boa razão para realizar um Mundial no Qatar, a não ser o dinheiro que isso dará à FIFA. O segundo é que qualquer pessoa responsável ficaria furiosa ao saber como são explorados esses trabalhadores. Mas o presidente da FIFA não. Acha que é uma óptima ideia realizar um Campeonato do Mundo num país sem qualquer tradição futebolística, com elevadas temperaturas e, pior do que tudo, que trata pessoas como se fossem animais. No entanto, já nada espanta num homem cuja relação com os direitos humanos está muito fora-de-jogo. Basta lembrar o que disse quando foi confrontado com o facto de a homossexualidade ser proibida no Qatar: “Diria [aos adeptos gays] que devem refrear as suas actividades sexuais.”

Os portugueses já conhecem bem Blatter, mais não fosse pela triste figura que fez recentemente ao ridicularizar Cristiano Ronaldo. Mas pior do que ser patético, é essa atracção pelo dinheiro que o faz passar por cima de tudo, seja o bom senso ou os direitos humanos. Andrew Jennings, jornalista escocês autor do livro Jogo Sujo, O mundo secreto da FIFA, disse um dia que os “crápulas que dirigem a FIFA enriquecem às custas do dinheiro da paixão" e protagonizam “negócios que fariam corar a máfia italiana”. Jennings saberá o que diz. E nós acreditamos cada vez mais nele.


 
 

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