Putin assinou decreto de amnistia a Khodorkovski, o seu inimigo de estimação

O ex-magnata do petróleo ousou desafiar Putin há dez anos e pagou com uma década na prisão. Poderá ainda vir a ser o líder de que a oposição precisa?

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Mikhail Khodorkovski no seu segundo julgamento, em 2009 OXANA ONIPKO/AFP

O Presidente russo, Vladimir Putin, assinou nesta sexta-feira o decreto que indulta o ex-magnata do petróleo Mikhail Khodorkovski, preso há dez anos, por crimes de fraude, apropriação indevida e evasão fiscal, mas que é considerado um prisioneiro político, por se ter mostrado demasiado independente face a Putin e começado a financiar partidos da oposição.

Na sua conferência de imprensa anual, na quarta-feira, Putin disse ter recebido um pedido de clemência de Khodorkovski e garantiu que lhe dará deferimento “muito em breve”. Nesta sexta-feira de manhã, o Kremlin revelou que o Presidente russo já assinou o decreto e este entrará imediatamente em vigor. Khodorkovski, o ex-patrão da petrolífera Yukos, deveria ser libertado em Agosto.

“Mikhail Borisovitch dirigiu-se a mim para me pedir clemência”, disse na quinta-feira o Presidente russo, usando o patronímico – um sinal de respeito. Terá invocado o estado de saúde da sua mãe, Marina, que tem 80 anos, afiançou Putin, para quem a concessão da amnistia a um homem que nos primeiros anos da sua ascensão ao poder se desenhou como uma ameaça pode agora ter um sabor a vitória.

O pedido de clemência equivale a um reconhecimento de culpa – algo que Khodorkovski nunca admitiu, ao longo da década que passou na prisão. Foi preso em 2003, na pista do aeroporto de Novosibirsk, na Sibéria, de onde foi levado algemado. Foi condenado em 2005 e de novo em 2010, após um segundo julgamento de acusações relacionadas com as iniciais (roubo de petróleo e branqueamento de dinheiro).

Esteve primeiro numa colónia penal gelada em Chita, a 6114 quilómetros de Moscovo, na linha do Transiberiano, perto da fronteira com a China, e nos últimos anos em Segezha, na Karelia, a 100 quilómetros da Finlândia.

“Ele passou mais de dez anos na prisão. É um castigo severo”, comentou Putin, numa mudança radical relativamente aos comentários que costuma fazer sobre Khodorkovoski – do género “é um ladrão e merece estar na prisão”.

Mas os advogados do ex-patrão da petrolífera Yukos garantem que não foi apresentado nenhum pedido de clemência. “Ele nunca fez um pedido de perdão, nem temos informações recentes sobre alguém o ter feito em seu nome. Mas ao longo destes anos recebemos muitos pedidos de amnistia em nome de Khodorkovski feitos por outras pessoas”, disse à RIA Vadim Kliuvgant, um dos seus advogados de defesa.

Khodorkovski foi o homem mais rico da Rússia, com uma fortuna estimada pela revista Forbes em 15 mil milhões de dólares, um dos oligarcas que beneficiou com a onda de privatizações de meados da década de 1990, quando o Estado precisava desesperadamente de dinheiro, e trocou acções nas empresas estatais por empréstimos imediatos.

Mas quis continuar a agir por conta própria, mesmo quanto Putin assumiu as rédeas do poder, em 2000. Por exemplo, tentou construir um oleoduto privado para a China, indo ao arrepio da política oficial, e negociou a entrada a petrolífera americana ExxonMobil no capital da Yukos. “Recusou-se a ocupar o seu lugar na matriz de interesses e clãs, de oligarcas privados e estatais, que são controlados não pelo Estado de direito mas, como dizem os russos, ‘po ponyatiyam’, por acordos – com Putin como árbitro”, escrevia em Outubro Neil Buckley, o editor para a Europa de Leste do Financial Times.

Mas durante os anos que passou na prisão, Khodorkoviski mudou – e mudou também a percepção que os russos têm sobre ele. Já não é “o oligarca mais odiado da Rússia.”

“Nunca se deve subestimar o poder de redenção de uma pena de prisão no imaginário russo. Não é que sintam que ele é um homem inocente. Mas sentem que já sofreu muito”, escrevia ainda Buckley. Uma sondagem do Centro Levada – um instituto de sondagens respeitado – feita no Verão concluía que mais de 40% dos russos têm uma opinião favorável de Khodorkovski, e 40% são-lhe indiferentes. Só 7% afirmaram não gostar dele.

Poderá isto ser suficiente para levá-lo a entrar na política – para ser o homem forte de que a oposição russa tanto precisa? Com os seus livros e artigos, ele tem-se posicionado como uma alternativa. “O que lhe dá credibilidade é a luta evidente que teve consigo próprio e a evolução ideológica gradual para algo que é talvez o mais próximo da visão democrata cristã que é possível hoje na Rússia”, diz o analista Konstantin von Egger na agência RIA.

E o que quer Khodorkoviski? Ao Financial Times, em Outubro, disse que não está interessado em voltar aos negócios nem em entrar para o Governo, “nem em lutar pelos votos de um eleitorado habituado a um mando paternalista, nem à intriga política.” Mas isso não quer dizer que a política lhe desinteresse: “Estou preparado para defender os interesses de pessoas que confiam em si próprias, que sabem o que valem. Infelizmente, não há muitos cidadãos assim na Rússia agora, mas há-de haver mais. Por isso continuarei envolvido em actividades cívicas”.

Notícia actualizada às 8h11 Acrescenta informação de que Putin já assinou decreto

 

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