Putin acena à UE com guerra do gás se Ucrânia não pagar o que deve

Presidente russo propõe reunião ministerial para discutir "estabilização da economia" ucraniana.

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Putin acusa a Ucrânia de ter violado os contratos para o abastecimento de gás Alexei Nikolsky/Ria Novosti/AFP

Os Estados Unidos acusaram a Rússia de usar o gás como “instrumento de coerção”, depois de o Presidente Vladimir Putin ter avisado que a Gazprom vai cortar os abastecimentos à Ucrânia se o país não pagar as dívidas em atraso, o que irá afectar o fornecimento aos países da União Europeia.

O aviso foi feito numa carta enviada, quinta-feira, pelo Presidente russo aos líderes de 18 países da UE que importam gás a Moscovo e na qual deixa claro que a sua paciência com Kiev está a esgotar-se. Segunda-feira terminou o prazo para o Governo interino pagar a factura de gás relativa ao mês de Março, aumentando o montante da dívida, que Moscovo diz ser já superior a 2200 milhões de dólares (1600 milhões de euros).

Por causa destes atrasos, Putin diz que a Gazprom vai passar a exigir pagamento avançado pelo gás que fornece à Ucrânia “e, no caso de novas violações das condições de pagamento, cessará completa ou parcialmente o fornecimento”. “Trata-se, sem dúvida, de uma medida extrema. Compreendemos perfeitamente que isto aumenta o risco de [a Ucrânia] desviar o gás que passa pelo território ucraniano destinado aos consumidores europeus.”

A empresa estatal russa fornece 30% do gás consumido na UE e quase metade dele chega aos consumidores graças aos gasodutos que atravessam a Ucrânia. Por causa de disputas sobre o preço do gás, a Rússia cortou o abastecimento ao país vizinho em dois invernos recentes (2005-2006 e 2008-2009), reduzindo e chegando mesmo a interromper o fornecimento a vários países da Europa ocidental.

Para evitar males maiores, o Presidente russo desafia os ministros europeus a negociarem com Moscovo “acções concertadas para estabilizar a economia ucraniana”, que diz estar à beira do colapso. “A situação é urgente”, avisa, na mesma carta em que acusa a UE de ter contribuído para os desequilíbrios macroeconómicos do país vizinho, ao passo que Moscovo, afirma, foi o único país que, desde o início da crise, colocou dinheiro na economia ucraniana.

A ajuda a que Putin se refere foi acordada em Dezembro, quando o Presidente Viktor Ianukovich enfrentava nas ruas a contestação à decisão de não avançar com um acordo de parceria com a UE. Em troca da aproximação a Moscovo, o Kremlin reduziu num terço o preço do gás vendido à Ucrânia e anunciou a compra de títulos da dívida do país no valor de 11 mil milhões de euros. Só uma parte desse montante foi desembolsado antes de, em Fevereiro, Ianukovich fugir de Kiev e, no início deste mês, a Gazprom anulou quase totalmente o desconto acordado meses antes — dos 268,5 dólares por cada mil metros cúbicos de gás, a Ucrânia passou a pagar 385,5 dólares, acima da média cobrada aos países da UE.

O Departamento de Estado norte-americano lamentou o conteúdo da carta — a ameaça mais clara de que as torneiras do gás poderão fechar-se em breve —, condenando o que diz serem “os esforços da Rússia para usar a energia como um instrumento de coerção contra a Ucrânia”. A Casa Branca revelou também que, num telefonema para a chanceler alemã, Angela Merkel, o Presidente Barack Obama “sublinhou a necessidade de os Estados Unidos, a União Europeia e os outros parceiros globais estarem preparados para reagir a uma nova escalada da Rússia com sanções adicionais”.

Ameaças, de um e outro lado, que fazem baixar as expectativas para as negociações, anunciadas para a próxima semana, entre os chefes da diplomacia da Rússia, Ucrânia, Estados Unidos e UE. A reunião foi marcada depois de, no último fim-de-semana, manifestantes pró-russos terem invadido edifícios públicos em três cidades do Leste do país, tentando mimetizar o cenário que levou comandos russos a entrar na Crimeia, naquele que foi o primeiro passo para a anexação da península de maioria russa, após um referendo em que a esmagadora maioria dos votantes se disseram favoráveis.

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