Protestos contra filme anti-islão espalham-se pelo mundo árabe

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Manifestante no Cairo devolve gás lacrimogénio atirado pela polícia Foto: Khaled Desouki/AFP

Multidões em fúria voltaram ontem a manifestar-se frente às embaixadas dos Estados Unidos na Líbia, no Egipto e também no Iémen, Sudão, na Tunísia e em Marrocos, em protestos violentos contra um filme amador produzido por um indivíduo que se identificou como israelo-americano e cujo teor foi considerado blasfemo e insultuoso para os muçulmanos.

Washington elevou a segurança das suas representações diplomáticas para o nível de alerta máximo e movimentou de imediato o seu aparelho militar: dois navios de guerra, equipados com mísseis Tomahawk, foram para a costa da Líbia e dezenas de aviões não tripulados (drones) levantaram em missões de reconhecimento e dissuasão.

Pelo terceiro dia consecutivo, milhares de muçulmanos reagiram ao filme anti-islão A Inocência dos Muçulmanos divulgado no YouTube, com manifestações a sucederem-se em vários países do Médio Oriente e Norte de África. As autoridades egípcias ergueram barreiras e usaram gás lacrimogéneo para impedir o acesso à embaixada dos EUA, de onde na véspera saíram feridas 70 pessoas. No Iémen, a polícia recorreu a canhões de água e abriu fogo para dispersar a multidão que tentava escalar os muros - quatro pessoas morreram e e 34 ficaram feridas durante os confrontos entre polícia e manifestantes.

Em Bengasi, a população saiu à rua com cartazes e mensagens de desculpas pelo ataque que causou a morte do embaixador dos Estados Unidos na Líbia, Chris Stevens, e três seguranças. "Queremos oferecer as nossas desculpas e condolências aos Estados Unidos, ao povo americano e a todo o mundo", declarou o presidente interino da Líbia, Mohammed el-Megarif, que descreveu os responsáveis pelo ataque como "cobardes".

Num contacto telefónico com el-Megarif, Barack Obama exigiu que "os responsáveis [pelo ataque de Bengasi] sejam identificados e julgados". Disponibilizou o apoio das agências americanas para as investigações, destinadas a apurar se o incidente foi espontâneo ou planeado por grupos ligados à Al-Qaeda para coincidir com o aniversário dos atentados de 11 de Setembro nos EUA (ver caixa).

Telefonema tenso a Morsi

O Presidente americano também falou com o líder egípcio Mohammed Morsi, mas o tom do telefonema foi mais tenso, informou a Casa Branca. Obama não escondeu o seu desagrado com a resposta do Presidente do Egipto aos acontecimentos no Cairo. Segundo a nota de imprensa, Obama "sublinhou a importância da parceria estratégica entre os EUA e o Egipto" e Morsi garantiu que não vai deixar de "honrar a sua obrigação de garantir a segurança do pessoal americano".

Questionado ontem em Bruxelas, Morsi, eleito na lista da Irmandade Muçulmana, começou por explicar que "os egípcios condenam e opõem-se a qualquer tipo de ataque ou insulto ao profeta", antes de dizer que o país também "tem o dever de proteger os convidados e visitantes estrangeiros". "Peço à população que cumpra a lei e não ataque embaixadas", apelou. Por seu lado, Hillary Clinton recordou que nos EUA "todos têm o direito de exprimir o seu ponto de vista, por mais repugnante ou repreensível que seja" e considerou que "a violência como resposta à liberdade de expressão é simplesmente inaceitável".

Os ataques de terça-feira e as manifestações de ontem recordaram à administração norte-americana que as suas políticas de apoio aos movimentos conhecidos como a Primavera Árabe não foram, por enquanto, suficientes para atenuar a força do antiamericanismo no Médio Oriente. Os incidentes mostraram ainda como os governos que substituíram os regimes autocráticos ainda não são capazes de garantir a segurança - ou de controlar forças radicais reprimidas durante décadas.

O desafio para o Governo americano, notavam vários analistas, consiste em encontrar um equilíbrio na reacção aos acontecimentos. "A administração cometerá um erro grave se abrandar o seu apoio ou inverter as suas políticas para o mundo árabe. Isso é o que pretendem os extremistas salafistas e os ditadores árabes, que precisam de recuperar a influência e o poder perdido", considera Shadi Hamid, director da Brookings Institution em Doha.

A controvérsia gerada pelo vídeo continua a alimentar novos protestos. Vários grupos islamistas e claques revolucionários do Egipto planearam um megaprotesto para depois das orações de hoje. Manifestações semelhantes foram convocadas para as cidades de Peshawar e Lahore por organizações religiosas do Paquistão. No Iraque, uma milícia xiita emitiu um comunicado onde declarava que " todos os interesses dos Estados Unidos são alvos para ataque".

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