Primárias do centro-esquerda na Itália: quem perde, ganha?

Bersani, líder do PD, é largamente favorito. Mas Renzi, que apela à renovação e à abertura da esquerda, parece desde já o vencedor político

Foto
Segunda volta das primárias é disputada entre Bersani, secretário nacional do PD (à esq.), e Renzi, presidente de Florença Alberto Pizzoli/AFP

Realiza-se hoje na Itália a segunda volta das eleições primárias para designar o candidato do centro-esquerda à chefia do Governo nas legislativas de 2013. Matteo Renzi, de 37 anos, presidente de Florença, foi o protagonista da campanha e do apelo à renovação do Partido Democrático (PD). Mas quem dispõe dos votos para ganhar é o adversário, Pier Luigi Bersani, de 61 anos, secretário nacional do PD. O paradoxo de Renzi é que lhe seria mais fácil ganhar as legislativas de 2013 do que as primárias de hoje.

A primeira volta, no domingo, foi uma manifestação do "desejo de política" e da "vontade de democracia", escreveram os editorialistas, definindo a mobilização como "a melhor resposta à antipolítica". Participaram no voto 3,1 milhões de italianos. Bersani obteve 44,9%, Renzi 35,6 e Nichi Vendola, governador da Apúlia e líder de Esquerda, Ecologia e Liberdade (SEL, extrema-esquerda) 15,5. Outros dois candidatos tiveram votações residuais.

A votação deu um impulso político ao centro-esquerda no momento em que a direita "berlusconiana" se debate numa interminável agonia. As anteriores primárias foram momentos de mobilização e consagração. As de 2005 serviram para lançar a frente Ulivo (Oliveira) e legitimar o seu candidato, Romano Prodi. As de 2007 plebiscitaram a criação do Partido Democrata (fusão de ex-comunistas, católicos e liberais de esquerda) e o novo líder, Walter Veltroni. As primárias deste ano foram as primeiras realmente competitivas.

Perfis em contraste

Renzi, de raiz católica, entrou na política em 1996, como apoiante de Prodi. Passou pelo Partido Popular e aderiu ao PD quando este foi criado. Conquistou, em 2008, o município de Florença depois de bater nas primárias o candidato oficial do seu partido e de esmagar o de Berlusconi nas eleições. Rapidamente se impôs na cena política. Apresenta-se como porta-voz de uma nova geração que quer "mandar para a sucata" a classe dirigente vinda tanto da tradição comunista como da democrata-cristã. O mundo mudou, diz. A mensagem dirige-se a eleitores cansados da 
nomenklatura do PD.

Bersani, antigo dirigente comunista e ministro nos governos de Prodi e de Massimo D"Alema, é um experiente árbitro dos conflitos entre as várias correntes do PD. Se Renzi inquieta, Bersani procura mostrar experiência e responsabilidade.

Renzi proclama um desígnio: modernizar a esquerda para atrair os eleitores "desiludidos com Berlusconi" e recuperar os "desiludidos com o centro-esquerda" que hoje engrossam as hostes da abstenção ou do movimento populista 5 Estrelas, de Beppe Grillo.

Para a esquerda do PD, Renzi não é um autêntico homem de esquerda, antes um ambíguo imitador de Clinton e Blair. Ou de Obama. Responde o politólogo Luca Ricolfi que a principal mensagem de Renzi é "a ideia da crise como facto definidor de uma época e como transformação definitiva do nosso modo de viver".

Bersani representa o centro de gravidade do PD, entre uma esquerda sindical hostil às reformas de Mario Monti e uma ala modernista que as exige. Bersani é apoiado pela grande maioria dos dirigentes, dos parlamentares e do aparelho: uns por hostilidade ideológica a Renzi, outros porque temem a ruptura interna do PD.

Renzi acusa Bersani e os principais chefes do PD de ambiguidade quanto às principais reformas do Governo Monti - que ele considera incompletas - ou quanto às alianças eleitorais.

A direcção do PD - neste momento o maior partido italiano e a beneficiar da desagregação do partido de Berlusconi - terá em mente reeditar o antigo modelo de aliança à esquerda e à direita, com o SEL, de Vendola, e com a União dos Democratas Cristãos e de Centro, de Pier Ferdinando Casini.

Renzi proclama que o PD pode ganhar sozinho. É o tema forte da campanha. O politólogo Roberto D"Alimonte, com base no estudo dos inquéritos eleitorais, afirma que o PD liderado por Renzi poderá alcançar os 44% - logo, a maioria absoluta - enquanto que, com o candidato Bersani, não passará dos 35, ficando dependente de uma coligação com partidos que defendem políticas diametralmente opostas. Renzi repete: nem Vendola nem Casini.

"PD já mudou"

Os analistas consideram muito improvável uma reviravolta que dê a vitória ao "rapazote" que desafiou o secretário nacional. Este dispõe do aparelho. Renzi só teria hipóteses com o alargamento do "colégio eleitoral" para um número superior a quatro milhões de votantes. Ora, o voto foi limitado: só se pôde inscrever quem votou na primeira volta ou apresentou uma justificação de ausência por doença ou viagem ao estrangeiro. Foi um dos temas que azedaram a campanha esta semana. De resto, a maioria dos eleitores de Vendola deverá apoiar Bersani.

Mais interessante é analisar os resultados da primeira volta. Bersani venceu sobretudo nas regiões mais pobres, Renzi afirmou-se nas regiões mais ricas, sublinha o economista Tito Boeri. Por outro lado, sublinha o politólogo Ilvo Diamanti, teve resultados impressionantes nas "regiões vermelhas", os antigos feudos comunistas. "O sucesso nas regiões vermelhas traduz a grande insatisfação com a vocação minoritária da esquerda", anota o senador Pietro Ichino, apoiante de Renzi. "Redescobriu-se um PD capaz de representar todo o centro-esquerda. Vença quem vencer, não se poderá ignorar o peso da área liberal no partido."

O analista Stefano Folli retoma esta opinião. "Para Renzi, foi uma jornada quase triunfal. Poder-se-ia dizer, um perdedor de sucesso". Bersani arrisca-se a uma vitória de Pirro. Mesmo que, no voto final, a correlação seja 60-40, "o PD não poderá continuar a ser o que foi até hoje, deverá abrir-se e modernizar-se." Bersani será candidato a primeiro-ministro com um apoio confortável, mas não poderá ignorar o peso dos "renzianos".

As primárias foram um romance que apaixonou o grande público. Para sossego do primeiro-ministro, especulou-se menos sobre o "Monti-bis".

Região de Roma a votos após corrupção

Os eleitores de Lácio (Roma) ficaram ontem a saber que vão às urnas a 10 de Fevereiro para escolher um novo Governo Regional - o anterior, do Povo da Liberdade, de Silvio Berlusconi, foi obrigado a demitir-se em Setembro, na sequência de um escândalo de corrupção.

Primeiro, chegaram as denúncias através dos jornais: despesas luxuosas em restaurantes, hotéis, joalharias ou bailes de máscaras por parte de vários conselheiros regionais. A 2 de Outubro, Franco Fiorito, ex-líder do grupo parlamentar do PdL em Lácio, era preso por desvio de fundos públicos no valor de um milhão de euros. Entretanto, a justiça abriu um inquérito contra uma dezena de conselheiros do PdL.

Na mesma data, poderão ainda realizar-se eleições na rica região da Lombardia, cujo presidente, Roberto Formigoni, igualmente do PdL, se demitiu há um mês, por suspeitas de ter trocado contratos por férias de luxo e o empréstimo de um iate.

 

Sugerir correcção
Comentar