Prémio Sakharov para activistas yazidis que foram escravas do Estado Islâmico

Nadia Murad e Lamiya Haji Bashar foram capturadas e feitas escravas sexuais em 2014. Agora tornararam-se porta-vozes de uma minoria do Médio Oriente que está a ser dizimada pelos jihadistas.

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Nadia Murad recebeu no início do mês o Prémio Vaclav Havel dos Direitos Humanos MARK WILSON/AFP
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Lamiya Aji Bashar durante uma visita a Portugal em Julho Enric Vives-Rubio

O Parlamento Europeu atribuiu o Prémio Sakharov para a Liberdade de Pensamento a Nadia Murad e Lamiya Aji Bashar, duas jovens yazidis que foram capturadas pelo Estado Islâmico e sobreviveram a meses de escravatura sexual, tendo-se tornado porta-vozes do sofrimento desta comunidade iraquiana às mãos dos radicais islâmicos.

Ambas foram raptadas na aldeia de Kocho, perto da cidade de Sinjar, no Norte do Iraque, em Agosto de 2014. Todos os homens da localidade foram executados, juntamente com as mulheres idosas. As mulheres e as meninas foram levadas pelos radicais, violadas, vendidas e compradas muitas vezes. Muitas morreram ou continuam cativas. 

Murad, que agora tem 23 anos, viu os extremistas matar-lhe a mãe e seis irmãos – o Estado Islâmico matou todos os homens da aldeia e poupou as mulheres que considerou que serviriam para tornar escravas sexuais. Murad conseguiu fugir três meses depois do rapto e em Setembro tornou-se a primeira embaixadora da Boa Vontade das Nações Unidas para a Dignidade dos Sobreviventes do Tráfico Humano. Informou o Conselho de Segurança da ONU, em Nova Iorque, sobre o que viveu, enquanto vítima do grupo jihadista.

Bashar, de 18 anos, perdeu o pai e os irmãos, escapou em Abril do ano passado, após várias tentativas falhadas. Mas foi atingida pela explosão de uma mina terrestre, durante a fuga, que a desfigurou e deixou quase cega. Enquanto esteve em cativeiro, foi usada como escrava sexual e forçada a fabricar bombas e coletes de bombistas suicidas.

Ambas receberam asilo na Alemanha e desde então dedicam-se a chamar a atenção do mundo para a difícil situação dos yazidis, uma comunidade concentrada no Norte do Iraque e que é seguidora de uma religião pré-islâmica que combina elementos de várias religiões do Médio Oriente.

"É com uma grande honra que eu e Lamiya aceitamos o Prémio Sakharov, em nome das milhares de mulheres e raparigas yazidis raptadas e de todas as vítimas do genocídio yazidi", disse Nadia Murad, numa declaração divulgada na Internet. "Este reconhecimento do sofrimento das mulheres e do povo yazidi é uma mensagem profunda para o grupo terrorista Estado Islâmico de que a sua desumanidade cruel está a ser condenada e que as suas vítimas estão a ser honradas pelo mundo livre."

Para os radicais sunitas, os yazidis são adoradores do diabo e foram eles a sofrer os piores tormentos quando, há mais de dois anos, os radicais vindos da Síria se apoderaram em poucos dias de quase um terço do território iraquiano, incluindo Mossul (a segunda maior cidade do país), aldeias históricas cristãs e a região de Sinjar, território ancestral dos yazidi. Para esta minoria religiosa, Sinjar é o local onde a Arca de Noé pousou, depois do Dilúvio.

Murad tem pedido junto de vários fóruns internacionais que o massacre dos yazidis seja reconhecido como genocídio, o crime mais grave previsto pela lei internacional. Foi dada como candidata ao Nobel da Paz e, já este mês, recebeu o Prémio Vaclav Havel dos Direitos Humanos, atribuído pelo Conselho da Europa. 

Bashar continua a ajudar mulheres e crianças que foram vítimas da escravatura e das atrocidades dos jihadistas. Apesar de alguns milhares de yazidis terem conseguido fugir e terem recebido asilo em países como a Alemanha, que até criou refúgios secretos para as mulheres mais traumatizadas pela violência e abusos sexuais a que foram submetidas, muitos outros yazidis continuam nas mãos do Estado Islâmico, nomeadamente em Mossul, a cidade que está a ser alvo de uma tentativa de reconquista.

Pelo menos 3600 pessoas, na sua maioria mulheres e crianças, são dadas como desaparecidas, e teme-se que com os combates em Mossul o grupo jihadista as leve para a Síria. Muitos yazidis vivem ainda em campos de refugiados, sem um horizonte para a sua vida. Apesar de Sinjar ter sido reconquistada ao Estado Islâmico por forças curdas em Novembro de 2014, apoiadas por bombardeamentos da coligação internacional liderada pelos Estados Unidos, a maioria dos yazidis não pensa em regressar.

Em Junho, um relatório das Nações Unidas reconhecia que o Estado Islâmico está a cometer um genocídio contra os yazidis na Síria e no Iraque, nos territórios que tem sob o seu controlo. Está a fazer uma tentativa deliberada de destruir esta comunidade religiosa de cerca de 400 mil pessoas através do assassínio, escravatura sexual e outros crimes. 

O prémio da União Europeia é um passo para sustentar esse reconhecimento. As duas mulheres “partilharam um passado triste e trágico”, mas “sentiram que tinham de sobreviver e lutar por aqueles que tiveram de deixar para trás”, afirmou o presidente do Parlamento Europeu, Martin Schulz, nesta quinta-feira em Estrasburgo. A atribuição do Prémio Sakharov mostra que “a sua luta não foi em vão” e que a Europa está disposta a “ajudá-las na luta contra o sofrimento e a brutalidade” do Estado Islâmico.

Instituído em 1988, o Prémio Sakharov é atribuído pelo Parlamento Europeu e visa reconhecer o trabalho de quem tenha dado “contribuição excepcional para a luta em prol dos direitos humanos em todo o mundo”. O valor do prémio é de 50 mil euros e será entregue numa cerimónia em Dezembro.

Este ano, os outros dois finalistas eram o jornalista turco Can Dündar, antigo director do jornal da oposição Cumhuriyet, e Mustafa Djemilev, activista e defensor da minoria tártara da Crimeia.

O último galardoado com o Prémio Sakharov foi o saudita Raif Badawi, preso e condenado a mil chicotadas por escritos a favor do secularismo que para a Justiça de Riad constituíram insultos ao islão. 

 

 

 

 

 

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