PP volta à praça de touros de Valência à espera que tudo continue na mesma

Na região mais marcada pelos casos de corrupção, os partidos assinaram um compromisso para acabar com este crime e atacaram os políticos que há décadas tratam a região como se esta lhes pertencesse.

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Casa cheia na Praça de Touros de Valência para ouvir Mariano Rajoy JOSE JORDAN/AFP
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Mariano Rajoy e Rita Barberá à chegada à Praça de Touros de Valência JOSE JORDAN/AFP

O primeiro-ministro espanhol, Mariano Rajoy, fez o que sabe na penúltima noite da campanha para as eleições autonómicas e municipais de domingo: encheu a praça de touros de Valência. Uma tradição eleitoral que costumava ser prova de força e de poder, hoje será mais um grito de resistência. “Onde houver um militante do PP, estará uma bandeira defendendo as suas ideias”, afirmou.

Os casos de corrupção acumulam-se em Espanha. Envolvem todos os partidos, mas sobretudo o Partido Popular (PP), no poder. Valência não consegue sair das notícias. Entre os nomes dos processos que todos os espanhóis aprenderam de cor, são poucos os que não passam por esta comunidade: Gürtel, Barcenas, Nóos, Brugal, Blasco, são só alguns, para além de outros escândalos como os que levaram ao encerramento da televisão e rádio pública (RTVV), em 2013.

A estes é preciso juntar os das últimas semanas: depois da divulgação das escutas onde se ouve Alfonso Rus, presidente do PP na comunidade e líder da assembleia regional, a contar dinheiro e a discutir quanto cobrar em subornos por adjudicação de contratos, há dois dias soube-se que Rita Barberá, presidente da câmara de Valência, a terceira maior cidade espanhola, está a ser investigada por gastos de representação ilegais e possível desvio de fundos.

Em Valência, o PP quase não teve oposição nas últimas três décadas. Governa a câmara da capital da região e acumula maiorias absolutas na comunidade. Mas sempre que um líder nacional vem à praça de touros, há um dirigente que estava na fotografia anterior e que entretanto desapareceu.

Antes da noite de quinta-feira, Rajoy tinha enchido a praça pela última vez em Novembro de 2011, a dias das legislativas que venceu de forma esmagadora. Há quatro anos, tinha Alfonso Rus ao seu lado. Desta vez, nem o seu nome foi pronunciado nem se falou de corrupção: nem Rajoy, nem Barberá, nem o presidente do governo da comunidade e candidato à reeleição, Alberto Fabra, mencionaram a palavra que mais se ouviu na campanha.

Barberá e Fabra têm dezenas de colaboradores envolvidos em processos e já se viram obrigados a afastar muitos deles. Fabra assumiu o cargo meses depois das últimas autonómicas, em Julho, quando o antecessor, Francisco Camps, se demitiu por causa do caso Gürtel, a investigação que expôs uma rede de corrupção operada pelo PP nas regiões de Valência e Madrid – o caso Bárcenas, nome do ex-tesoureiro do PP que geria um saco azul no partido, foi descoberto durante a investigação Gürtel.

Outro tempo
“A comunidade valenciana, como a madrilena, converteram-se por razões paralelas num símbolo do PP de outros tempos, quando acumulava quase sem esforço maiorias absolutos quase como despachava casos de corrupção sem penalizações políticas nem judiciais. Outro tempo”, escreve o jornal El País.

“Outro tempo”, recusa ver Rajoy, por não querer ou não poder.

Nos anos mais recentes, os partidos da oposição em Valência, dos socialistas ao Compromís (coligação nacionalista de esquerda), passando pela Esquerda Unida ou pela UPyD, nem tentam fazer política, ocupando-se apenas a investigar e denunciar casos de corrupção.

Ximo Puig, líder do Partido Socialista na região e candidato à presidência da comunidade, chegou a ficar sem salário quando era deputado na assembleia de Castellón, uma das províncias que forma a autonomia de Valência (presidida então por Carlos Fabra), e viu o seu irmão ser despedido do Canal 9 da RTVV depois de ter denunciado que Fabra ganhava um milhão de pesetas por mês. Outros, como a UPyD, gastam o dinheiro das quotas dos militantes a pagar custas judiciais para fazer avançar processos.

A corrupção leva tempo a traduzir-se em custos políticos e, em tempos de fartura, como foram os anos 1990 e o início dos 2000, os cidadãos tendem a ser mais complacentes. Em tempos de crise, a lógica diz que o cenário e os comportamentos mudam.

Desemprego, corrupção
Estamos em 2015, a dias das eleições, e uma coligação de grupos de cidadãos decidiu tornar pública a sua proposta de um Compromisso Público Contra a Corrupção. O objectivo é sentar à mesma mesa cidadãos, peritos e políticos e ter pronto, a 9 de Dezembro, dia que a ONU dedica ao tema, um Pacto Estatal contra a Corrupção. Convidam-se os representantes dos partidos nacionais e regionais, e eles vêm, aceitam estar presentes e assinar o compromisso.

A iniciativa chama-se Sociedade Civil Contra a Corrupção e é coordenada pela Fundação pela Justiça, uma ONG valenciana que trabalha pela defesa dos direitos humanos em Espanha. A assinatura do pacto acontece num lugar solene, um dos auditórios do Ilustre Colegio (Ordem) dos Advogados de Valência.

A Fundação tem a palavra e José María Tomás Tío, juiz e presidente da ONG, agradece à ordem por ceder espaço “à defesa dos direitos dos outros, neste caso muito em particular em que os direitos têm forma de luta contra a corrupção” e aos representantes dos partidos “a amabilidade de aceitarem o convite para trabalharem com a sociedade civil num problema que se converteu no segundo que mais preocupa” os espanhóis, a seguir ao desemprego.

Depois da leitura da lista de associações que já integram a iniciativa e de alguns dos pontos do Compromisso que se construiu com a participação de 28 especialistas e existe, para já, na forma de 99 propostas, sobem ao palco e assinam o Pacto os membros dos partidos que já aderiram à iniciativa: Isaura Navarro, do Compromís, Rafael Iniesta, do Podemos, Alícia Andújar, da UPyD, Rosa Rérez Garijo, da Esquerda Unida, Ximo Puig, pelos socialistas, e Jorge Bellver, porta-voz do grupo parlamentar do PP nas cortes valencianas.

Isaura Navarro lembra “uma legislatura muito dura, com muitas pessoas investigadas” e defende que “faltam leis, meios e ferramentas para que se recuperem os dinheiros desviados”, algo de que “os cidadãos precisam para voltarem a acreditar” nos políticos. Rafael Iniesta, do recém-formado Podemos, enumera algumas propostas do seu partido que “vão ainda mais além das 99 da iniciativa, como a defesa da figura do denunciante, para que não se repitam os casos de pessoas despedidas e perseguidas”.

Crise institucional
“Enfrentamos, mais do que uma crise económica, a maior crise institucional da nossa história”, diz Alícia Andújar. Em campanha, descreve, o que ouve das pessoas é que “querem o dinheiro devolvido”. Ximo Puig defende que “sem acabar com o problema da crise institucional e de confiança não podemos resolver os outros problemas, o desemprego, as dificuldades económicas”. O assunto, brinca, “é tão importante que é fundamental que não o deixem só nas mãos dos políticos”.

O porta-voz parlamentar do PP agradece à Fundação a criação de um “fórum onde todos possamos discutir, partilhar opiniões” e diz esperar que este “funcione independentemente dos resultados eleitorais”. Para Rosa Garijo, esta iniciativa “é muito importante mas também é a prova de um fracasso, dos partidos, da sociedade”, lembrando que a Esquerda Unida é a formação que “mais denúncias levou às cortes, denúncias que retratam o que é a corrupção endémica de um partido”, o PP. “Esperemos que a partir do dia 25 possamos fazer política e não perseguir delinquentes.”

Os membros de todos os partidos estão sentados na primeira fila do auditório, lado a lado. É estranho ver políticos sentados lado a lado quando basta uma pergunta e todos se lançam ao ataque a um deles. “Como é que chegou aqui?”, pergunta o PÚBLICO e ouve-se um burburinho na sala.

“Um partido político tratou a região como se fosse sua e é verdade que é um fracasso que tenhamos de assinar um acordo pela decência, pela legalidade. Há gente que tem de pagar pelas suas responsabilidades”, diz Ximo Puig.

Propaganda e clientelismo
“Redes de clientelismo com raízes sem fim, políticos que acreditavam ter carta branca e impunidade para fazer de tudo, até tornar uma televisão pública num veículo oficial de propaganda, gerido de tal forma que chegou a haver mulheres contratadas para trabalharem como jornalistas que depois eram pagas por prostituição”, enumera Isaura Navarro.

Alícia Andújar fala de uma estratégia de hegemonia construída em redor de “propaganda, clientelismo e corrupção”, num absoluto “desrespeito pelo público, pela obrigação de servir as pessoas”. Rosa Garijo insiste “no sistema de propaganda” e controlo dos meios de comunicação, que permitia “calar as denúncias”, ou através da gestão directa dos media públicos ou de “subornos e ofertas de negócio” aos meios privados.

As sondagens antecipam que o PP será o partido mais votado na comunidade, mas perderá a maioria absoluta, algo que os barões do partido não conseguem sequer admitir que seja possível. Rita Barberá, candidata pela sétima vez, também não sabe se terá votos suficientes para governar, mas recusa admitir “uma derrota” nas urnas. Diz que “ninguém” lhe pode tirar “o património de ter sido alcadesa durante 24 anos” e acusa a oposição de “querer” envolvê-la “em assuntos que corrupção que não são verdade”.

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