Portugal: o destino da Europa?

As eleições europeias de 2014 deverão ser a ocasião para o grande debate sobre o futuro da Europa que a situação exige

A Europa era, na bela expressão de Mário Soares, o novo destino de Portugal saído do sonho trágico do Império. Com a integração europeia, os portugueses descobriam um espaço de valores, de democracia e de solidariedade, em oposição ao cinismo da ditadura; em suma uma promessa de qualidade de vida que não se reduzia apenas ao crescimento económico.

Os portugueses pouco questionam se a grave crise que enfrentam é um problema europeu; prevalece a ideia que são os únicos responsáveis, senão mesmo culpados. Responsáveis porque quiseram ser europeus cedo demais, porque considerarem-se europeus foi uma ambição desmesurada. Deviam ter continuado por muitos e bons anos “pobres e honrados”, “analfabetos quanto baste”, a “andar de burro” por estradas onde se morria a cada curva. Foi louca a ambição de estudarem, comerem, viajarem – em suma, viverem como os cidadãos da Europa próspera. 27 anos depois da adesão, o destino europeu devia continuar a ser uma utopia!

O problema é que os dirigentes dos países-ainda-não-tanto-em-crise são os principais, responsáveis pela culpa que os portugueses sentem, são eles que afirmam que os portugueses, como os espanhóis e os gregos são cidadãos de países de uma outra Europa. O “Sul”, de uma forma genérica, continuou a ser uma categoria de divisão intraeuropeia, mesmo depois de Portugal e Espanha estarem plenamente integrados no projeto europeu e hoje a fratura norte- sul é uma ameaça séria à unidade europeia.

A verdade é que o balanço da democracia portuguesa no pós 25 de Abril e da integração europeia de Portugal não é assim tão negativo e comporta nele os elementos para um novo salto na modernidade. Portugal é uma democracia consolidada, apesar do crescente ceticismo de muitos dos seus cidadãos face aos partidos políticos; tem hoje uma população alfabetizada (94,8%), regista um enorme aumento da escolaridade, tanto no ensino secundário como universitário; o número de diplomados no ensino superior mais que triplicou entre 1991 e 2011, o mesmo sucedendo com o número de doutorados e da investigação científica; as mulheres portuguesas emanciparam-se; toda uma geração de portugueses utiliza os instrumentos da sociedade da informação com grande eficácia e as redes sociais são agora uma alavanca de expressão e comunicação da classe média: 60% dos lares portugueses têm banda larga de Internet. Tudo isto num país que adotou o modelo social europeu, dotado de um bom serviço de saúde, apesar de ameaçado pela austeridade e uma rede de infraestruturas modernas mas subaproveitada.

Estas características da sociedade portuguesa aproximaram-nos do resto da Europa e são fatores essenciais para um modelo de desenvolvimento capaz de romper com o primado da especulação financeira e da competição selvagem, que volte a considerar o trabalho e a solidariedade como valores. O destino da Europa é o de Portugal, porque todos os seus Estados membros enfrentam o mesmo desafio de serem capazes de tirar partido das capacidades acumuladas dos seus cidadãos e de voltar a fazer da solidariedade a razão de ser da União Europeia.

Os estudos sobre tendências mundiais são categóricos: o declínio relativo da Europa é inevitável e até pode ser uma boa notícia pois corresponde ao crescimento de países em que até há pouco a maioria da população vivia na pobreza, como a China, a India, o Brasil, e parte de África. A crise europeia atual, no entanto, se nada for feito para a travar, pode ser o início de um declino absoluto, com origem em fatores bem conhecidos: o envelhecimento da população; a fraqueza das políticas comuns; o atraso no domínio da inovação tecnológica em áreas de ponta, como a biotecnologia ou a impressão em 3D; o enfraquecimento dos laços de solidariedade que ameaça o sistema social europeu, a renacionalização das políticas internacionais das principais potências europeias, num mundo policêntrico. É neste quadro que se torna ainda mais absurdo, e revelador da ausência de resposta adequada à crise, que milhares de jovens, como os portugueses, imprescindíveis para a Europa a dar salto para um novo modelo de desenvolvimento, estejam no desemprego e a procurar o seu futuro noutras paragens.

Se os indicadores são conhecidos, mais escondido está o primeiro problema europeu, e que é político. É a ausência de um espaço público europeu, de mecanismos de participação numa democracia supranacional, que impossibilita uma reação concertada dos cidadãos perante a crise e gera a facilidade com que se impõem políticas de austeridade, recessivas, não só impopulares como sobretudo ineficazes. Os Indignados são nacionais, não são europeus, como se cada crise fosse exclusivamente nacional, logo passível de resolução no quadro de cada Estado. Esta renacionalização da crise provoca ainda outro efeito perverso: num contexto de pauperização, as classes médias europeias questionam a democracia e olham para as relações com os outros países, membros ou não da UE, como um jogo de soma zero – uma das razões subjacentes ao perigoso crescimento do populismo e da xenofobia.

Os portugueses (e os partidos políticos) devem perceber que só há soluções num quadro europeu. É criando redes e movimentos transeuropeus, de cariz mais tradicional ou mais inovador, ligando partidos políticos e cidadãos com propostas políticas alternativas, que se pode procurar uma solução para a crise e prevenir o declínio absoluto do projeto mais extraordinário do século XX. As eleições europeias de 2014 deverão ser a ocasião para o grande debate sobre o futuro da Europa que a situação exige, criando condições que garantam a sua sobrevivência e relevância no século XXI.

Director de Projectos no Arab Reform Initiative (ARI)
 
 
 

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