Portugal está a perder oportunidades por não fazer "lobbying" na Europa

O Parlamento Europeu reconhece e acolhe 4265 lobbistas acreditados
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O Parlamento Europeu reconhece e acolhe 4265 lobbistas acreditados Vincent Kessler/REUTERS
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Bruxelas é a capital europeia do "lobbying", só ultrapassada, a nível mundial, por Washington. Os países do Norte e Centro da Europa souberam adaptar-se à realidade.

Os novos membros de Leste estão a começar rapidamente a fazê-lo. Ao contrário, os países do Sul, particularmente Portugal e Espanha, ainda não acordaram para o fenómeno.

A explicação passa por uma cultura que estranha e deturpa os objectivos do lobbying. Exemplo disso foi a rapidez com que muitos rejeitaram a pretensão, manifestada em Janeiro por Luís Paixão Martins e a sua empresa, no sentido de que os lobbistas fossem acreditados na Assembleia da República, à semelhança do que acontece com os jornalistas. O presidente do Parlamento, Jaime Gama, prometeu que o assunto seria analisado até ao fim da sessão legislativa.

Mas há também falta de conhecimento. "Em Portugal, ainda não se perceberam duas coisas: que houve uma deslocalização e que, cada vez mais, as decisões são tomadas em Bruxelas; e que ter um primo que é eurodeputado não resolve nada. Todos acham natural que um político vá ao Mercado do Bolhão dar beijinhos à vendedora em tempo de eleições, mas já o lobbying é olhado com desconfiança. Em democracia, é legítimo pressionar os poderes públicos, de forma transparente e ética", diz Joaquim Martins Lampreia, único português lobbista acreditado junto do Parlamento Europeu (PE), que tem "sobretudo clientes internacionais".

O também administrador da consultora Omniconsul realça: "Lisboa vai ser inundada por lobbistas durante a presidência da União Europeia. Só não vamos saber quem são".

O lobbying, acreditam os defensores da regulamentação, gera transparência - diz de quem influencia as decisões em que nome fala, por quem é financiado e quais são os objectivos e interesses de quem representa. Existem cerca de 13 mil profissionais da pressão activos em Bruxelas, estima a EULobby Network (Elnet, plataforma de lobbistas europeus).

Só o Parlamento Europeu - a única instituição europeia que obriga à acreditação dos lobbistas e que tem há vários anos um código deontológico sobre o lobbying - reconhece e acolhe 4265, que trabalham para empresas de public affairs (relações institucionais), escritórios de advogados, organizações não-governamentais, associações empresariais, think tanks. A Alemanha tem o maior número de lobbistas, com 13 por cento do total, seguida pelo Reino Unido.

A Comissão Europeia optou por criar um registo público voluntário e, para tornar as suas relações com o lob-

bying mais claras, lançou, em 2006, a Iniciativa Europeia de Transparência, desenvolvida pelo comissário dos Assuntos Administrativos, Auditoria e Luta Anti-fraude, Siim Kallas, que virá a Lisboa a 20 de Setembro. A ideia é adoptar um Livro Branco, que estabeleça regras e, mais tarde, harmonizar a prática nos Estados-membros.

Falta tudo

Em Portugal, falta tudo. Falta reconhecer a actividade e, em seguida, regulamentá-la, diz Martins Lampreia, que tenta há três décadas convencer o poder político a fazê-lo e tem obra publicada sobre o tema.

Há, porém, démarches em curso para alterar o vazio legal. Em Maio, a Elnet entregou um código de ética sobre lobbying na Assembleia - a Iniciativa Portuguesa de Transparência, uma adaptação à realidade nacional da proposta europeia, que, entretanto, está já a ser traduzida por outros Estados sem regulamentação.

E, no dia 19 de Junho, decorreu em Lisboa o primeiro seminário nacional dedicado ao lobby. Participante no fórum, Christian de Fouloy, presidente da Elnet, disse ao PÚBLICO ter ficado surpreendido com a ausência de ambientalistas e representantes das empresas de media.

Em Portugal, analisa, "não há mecanismos nem uma cultura de lobbying, mas isto é verdade para todos os países europeus". Realçando que "é melhor não ter leis do que ter más leis", o lobbista profissional há três décadas explicita a metodologia a seguir antes de adoptar legislação sobre lobbying: um relatório, de um organismo independente, como uma universidade, sobre a prática, "forças e fraquezas"; um projecto de lei; uma discussão com os intervenientes; e um debate público alargado.

"Vai haver muita resistência", antevê Fouloy, salientando, por outro lado, que "os próprios lobbies portugueses começam a defender um sistema transparente" e que a presidência da UE pode ser "o timing certo para dar força ao movimento".

Pedro Sampaio Nunes, ex-director da área da Energia na Comissão e o último representante da Portugal Telecom em Bruxelas, não tem dúvidas: "Portugal está a perder oportunidades" por não estar suficientemente representado nas instituições comunitárias. "Há um grupo muito forte de portugueses na Comissão", mas falta uma "plataforma para facilitar as parcerias com empresas", diz. O facto de o presidente da Comissão ser um português é "uma vantagem enorme" que Portugal está a "deixar escapar".

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