Na Palestina há uma geração em raiva que já não acredita na paz

Três israelitas mortos em dois ataques quase simultâneos em Jerusalém. Autoridades admitem isolar bairros árabes e Netanyahu exige a Abbas que ponha fim à “incitação ao ódio”.

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Funeral de um dos israelitas mortos nesta terça-feira Ronen Zvulun/Reuters

Três israelitas morreram e 24 ficaram feridos em dois ataques quase simultâneos em Jerusalém, acções que colocam a um novo nível a escalada de violência que dura há quase duas semanas. Do lado palestiniano, a revolta tem como protagonista uma nova geração – os nascidos depois dos acordos de Oslo, rapazes e raparigas, alguns ainda adolescentes, que não acreditam nos seus líderes nem no mérito de negociações de paz e que encontram nas redes sociais a inspiração e o estímulo para passar a acção.

São já mais de 20 os ataques com armas brancas ocorridos em Israel nos últimos seis dias, mais de metade dos quais em Jerusalém Oriental, parte ocupada e anexada por Israel desde 1967. Já tinha havido mortes – a 1 de Outubro um casal de colonos foi morto na Cisjordânia, dois dias depois dois judeus ortodoxos foram esfaqueados na Cidade Velha de Jerusalém – mas os ataques desta terça-feira foram os mais sangrentos desde que, na quinta-feira, os esfaqueamentos começaram a suceder-se a ritmo acelerado.

O dia começou com dois ataques à faca em Raanana, cidade a norte de Telavive, de que resultaram cinco feridos ligeiros. Mas Israel reviveu o pânico de outras revoltas quando dois palestinianos, de 22 e 23 anos, entraram num autocarro junto a Armon Hanatziv, um bairro de colonização em Jerusalém Oriental, armados com uma faca e um revólver. Apoderaram-se do veículo e enquanto um disparava o outro esfaqueou vários passageiros – dois morreram e 16 ficaram feridos, três dos quais com gravidade. O veículo ficou bloqueado e a polícia israelita matou um dos atacantes, ferindo o outro com gravidade.

Ainda não tinha passado uma hora quando um outro palestiniano atropelou duas pessoas que estavam numa paragem de autocarro num bairro ultra-ortodoxo em Jerusalém Ocidental, matando uma delas e ferindo a outra com gravidade. Depois de a viatura se ter imobilizado, saiu de cutelo na mão e esfaqueou quem encontrou pela frente, antes de ter sido alvejado.

A polícia adiantou que os três atacantes residiam no bairro de Jabal Mukaber, em Jerusalém Oriental, uma informação que sugere a possibilidade de os ataques terem sido coordenados e dá força a quem, como o presidente da câmara de Jerusalém, Nir Bakat, quer que árabes da cidade sejam cercados e as suas entradas controladas pelo Exército. Era esperada uma decisão sobre o assunto na reunião do Gabinete de Segurança que o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, convocou logo após os ataques.

São inúmeras as medidas adoptadas desde o início do actual surto, mas tanto o Governo como os serviços de informação reconhecem que esta é uma vaga de violência difícil de travar. “Estamos perante indivíduos que utilizam a mais básica das armas do terrorismo”, disse à AFP Miri Eisin, antigo coronel dos serviços de informação militar, sublinhando que Israel está mais preparado para neutralizar os mísseis do Hamas do que conseguir impedir ataques com facas. Por outro lado, escreve Amos Harel, especialista em questões de segurança do jornal Ha’aretz, a maioria dos atacantes são jovens, residentes em Jerusalém Oriental (possuem documentos de identidade israelita que lhes permitem deslocar-se livremente no país), sem registo criminal nem ligações aos grupos armados. “De que serviria uma vaga de raides e detenções contra uma ‘infra-estrutura terrorista’ que consiste em adolescentes armados com facas de cozinha?”, questiona o analista.

É para esses jovens – alguns tão jovens como um rapaz de 13 anos que segunda-feira esfaqueou um israelita da mesma idade em Jerusalém – que as atenções se viram para tentar perceber a origem de um surto de violência que cada vez mais gente compara às intifadas (revoltas) de 1987 e 2000. Piotr Smolar, correspondente do Le Monde, chamou-lhes os “revoltados de Oslo”, nascidos já depois do acordo que em 1993 definiu as etapas de um processo de paz que deveria ter culminado com a criação de um Estado palestiniano e que nunca como agora esteve tão moribundo.

Cresceram com o muro que Israel construiu na Cisjordânia, assistiram desde a infância à expansão dos colonatos, à violência da segunda intifada e das guerras em Gaza. Não se revêem na Autoridade Palestiniana de Mahmoud Abbas, nem nas facções políticas que há décadas rivalizam pelo poder e “preferem naturalmente outros fóruns, como as redes sociais”. É lá que alguns dos atacantes deixaram escrita a sua revolta com as provocações dos extremistas judeus junto ao Pátio das Mesquitas e que milhares de outros jovens partilham vídeos dos confrontos com o Exército na Cisjordânia ou na fronteira de Gaza – 17 palestinianos foram mortos nos últimos dias, o último dos quais num embate já nesta terça-feira a sul de Jerusalém.

Netanyahu repetiu nesta terça-feira que utilizará “todos os meios” para travar a onda de ataques e exigiu a Abbas que ponha fim à “incitação ao ódio”. “Não transforme assassinos em heróis”, afirmou, depois de a Autoridade Palestiniana ter denunciado as “execuções extrajudiciais” de jovens nas ruas de Israel.

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