Polícias militares acusados do desaparecimento de Amarildo na favela da Rocinha

O Brasil ainda não sabe "onde está Amarildo", mas as suspeitas da sua morte recaem sobre agentes de uma unidade da polícia pacificadora.

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A Rocinha é uma das favelas do Rio de Janeiro que já tem uma Unidade de Polícia Pacificadora Sergio Moraes/Reuters

Dez agentes da Polícia Militar do Rio de Janeiro foram acusados pela Justiça brasileira de estarem envolvidos no desaparecimento de Amarildo de Souza, um pedreiro de 42 anos que presumivelmente foi morto com extrema violência depois de ter sido detido para averiguações na Unidade de Polícia Pacificadora da Rocinha, uma das maiores favelas da cidade.

Os dez polícias vão responder pelos crimes de tortura seguida de morte e ocultação de cadáver: o inquérito da divisão de Homicídios da Polícia Civil concluiu que Amarildo terá sido submetido a choques eléctricos e asfixiado com um saco plástico.

Os arguidos, entre os quais o ex-comandante da unidade da Rocinha, major Edson Santos, negam as acusações e mantêm que a morte do pedreiro estará ligada ao narcotráfico. No curso do inquérito, várias testemunhas denunciaram tentativas de suborno e intimidação por parte dos suspeitos – a Secretaria de Estado da Assistência Social e Direitos Humanos confirmou ter colocado vários indivíduos, incluindo menores, no programa de protecção a vítimas e testemunhas de crimes.

Conhecido como o “caso Amarildo”, o desaparecimento do pedreiro e as investigações subsequentes mantiveram o Brasil em suspenso, seguindo uma trama novelesca para descobrir “onde está Amarildo”. A intriga depois evoluiu, e a pergunta passou a ser quem matou o pedreiro.

Amarildo de Souza foi abordado por agentes da polícia militar à saída de um boteco da Rocinha no dia 14 de Julho, o dia em que foi montada uma operação – Paz armada – contra traficantes da favela. O pedreiro foi levado sob detenção para um dos contentores que funcionam como esquadra de proximidade e, segundo a versão da Polícia Militar, foi libertado depois de ter sido questionado e se constatar que não pendiam quaisquer acusações ou mandados contra ele.

No entanto, Amarildo nunca mais voltou para casa.

A reconstituição do caso feita pela unidade de homicídios (e que consta no processo entregue ao Ministério Público do Rio) conta uma história muito diferente. Começa por mencionar a existência de um “desaguisado” entre a família do pedreiro e um dos polícias acusados, Douglas Roberto Vital Machado, conhecido como "Cara de Macaco". Segundo testemunhas, terá sido o agente a procurar Amarildo e a comunicar pelo rádio a sua detenção e transporte para a esquadra da UPP, apesar dos protestos dos moradores que assistiram à cena.

Na esquadra, Amarildo terá sido submetido a um interrogatório com elementos de tortura, alegadamente com o objectivo de o levar a denunciar as actividades de traficantes e a localização de armas escondidas na favela. O pedreiro, que sofria de epilepsia, não resistiu à tortura e morreu.

De acordo com o processo, os agentes terão então agido em conluio para ocultar o crime e fazer desaparecer o corpo – que até agora não foi identificado. Uma ossada, que foi encontrada no Sul Fluminense, foi analisada por suspeita de poder ser Amarildo, mas a autópsia foi inconclusiva (novos testes foram entretanto efectuados).

Os testemunhos dos polícias que estiveram envolvidos na detenção foram postos em causa pelas autoridades. Várias testemunhas que tinham deposto contra elementos do tráfico voltaram atrás com a sua palavra e revelaram que tinham sido coagidos pelos militares: dois moradores chegaram a receber um apartamento fora da favela, alegadamente alugado pelo major Edson Santos.

O ex-comandante da unidade da Rocinha é suspeito de desvio de verbas do orçamento da comunidade para subornar testemunhas (que terão recebido cerca de dois mil reais para imputar o crime ao narcotráfico).

Elisabete Santos, a mulher de Amarildo, congratulou-se com o indiciamento dos agentes da polícia. “Eu sabia que a verdade ia aparecer. Enfim, a justiça começou a ser feita”, reagiu ao Jornal Nacional da TV Globo. “O meu marido morava há 43 anos na comunidade e nunca teve problemas com ninguém. Sempre se relacionou bem com todas as pessoas, nunca passou um dia fora de casa e não tinha inimigos. Quando ele sumiu, eu sabia que tinha sido pura maldade dos polícias”, acusou.

A partir de Brasília, a ministra dos Direitos Humanos, Maria do Rosário, elogiou o processo agora em curso como uma prova do “amadurecimento das instituições” e do funcionamento da Justiça no Brasil, e também da urgência de uma reforma nas polícias.

“Esse caso já é emblemático. Nós temos, lamentavelmente, grupos de extermínio em vários lugares do Brasil, com uma associação entre o crime e agentes da polícia”, admitiu a governante. “Precisamos de uma reforma que assegure que as polícias trabalhem voltadas para o cidadão e que os polícias sejam orientados a não cometer crimes contra os direitos humanos”, sublinhou.
 
 
 

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