Polícia branco mata mais um jovem negro desarmado um ano depois de Ferguson

Desde o início de 2015, forças da ordem atingiram mortalmente um negro sem armas a cada nove dias. O último foi um estudante universitário no Texas, no primeiro aniversário da morte de Michael Brown.

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Scott Olson/AFP O pai de Michael Brown liderou as marchas (ao centro, de barba)

Christian Taylor, de 19 anos, foi morto a tiro em Arlington, no Texas, numa situação de suspeita de assalto a um “stand” de automóveis, por um polícia branco que estava na fase final do seu estágio. Taylor, que tinha mais de 1,90 m e fazia parte da equipa de futebol americano da sua universidade, estava desarmado. Tal como Michael Brown, de 18 anos, cuja morte, um ano antes, também às mãos da polícia, mas na cidade de Ferguson, no Missouri, desencadeou um movimento de protesto contra a violência policial americana.

Taylor, tal como Brown, era negro e estavam desarmado. A maioria das 585 pessoas mortas pela polícia nos Estados Unidos este ano não são negras – são brancas ou latinas, conclui-se da análise da base de dados do diário The Washington Post. Destas, 60 estavam desarmadas. E 24, além de desarmadas, eram negras. E de facto, um homem negro desarmado foi atingido mortalmente por um polícia americano (branco) a cada nove dias nos primeiros sete meses de 2015.

A morte de um homem negro desarmado com uma bala da polícia, tal como a de Taylor, na sexta-feira, tornou-se assim uma notícia frequente, depois de a morte de Michael Brown, a 9 de Agosto de 2014, e dos protestos que se lhe seguiram em Ferguson, terem focado os holofotes na relação entre a polícia e os negros nos EUA.

Os gritos e cartazes a dizerem “as vidas dos negros também têm importância” encheram as redes sociais e os media, depois de cada novo caso de morte de um homem negro desarmado por um agente da polícia. E puseram os americanos a pensar de novo sobre o racismo.

“Antes de Ferguson, a polícia era politicamente intocável. Ferguson mudou isso”, disse ao jornal de Washington Paul Butler, professor na Universidade de Georgetown que publicará no ano que vem um livro sobre este tema. “Daqui a 50 anos, os agentes de todos os departamentos de polícia com alguma dimensão dos EUA usarão câmaras de filmar no uniforme”, para ser possível verificar o que fazem quando estão em patrulha. “Esta mudança está a acontecer agora por causa de Ferguson.”

Um luto lento
“Estão a acontecer tantos homicídios em todo o país. As pessoas estão zangadas, aqui e em todo o lado”, disse à Reuters Yvette Harris, que fundou a organização Mães Conta os Homicídios Sem Sentido, depois de o seu filho de 17 anos ter morrido, em 2001, num tiroteio de gangs. Foi à marcha silenciosa de sábado, de umas centenas de pessoas que percorreram Ferguson com o pai de Michael Brown à cabeça. “Há-de passar muito tempo até que as pessoas consigam perdoar”, disse Harris, que é negra.

O pai de Brown – que tem o mesmo nome do filho – ainda não conseguiu. Nem perdoar, nem esquecer. A sua família ainda está de luto, disse, citado pela Associated Press, mas ele vê a herança do filho na renovada consciência dos americanos em relação ao uso de armas contra homens desarmados, e o aumento do cepticismo em relação às descrições feitas pelos agentes da polícia dos eventos em que puxam das armas e disparam a matar. Até porque a maioria dos disparos fatais contra homens desarmados aconteceram no Sul da América, em locais onde os a população negra está mais concentrada, segundo a base de dados do Washington Post.

Este domingo, realizou-se nova cerimónia evocativa de Michael Brown em Ferguson, no local onde foi morto – a mais carregada de emoção. O rosto do pai Brown era um espelho de dor contida, dura, enquanto se observavam quatro minutos e meio de silêncio – em representação das quatro horas e meia que o corpo do jovem esteve no meio da rua, depois de ter sido atingido pelo agente branco Darren Wilson. "Costumam perguntar-me como me sinto – é a pergunta mais parva do mundo", disse quando o chamaram ao microfone. 

Durante este ano, muitas coisas mudaram na administração da cidade – o presidente da câmara foi afastado, o chefe da polícia e o juiz também, depois de um relatório do Departamento de Justiça concluir que existiam graves violações, que duravam há longos anos. Foram eleitos representantes negros para os órgãos administrativos, e os novos juiz, presidente do município e chefe da polícia são negros.

Agora, em vez de a polícia de Ferguson sair para a rua vestida com equipamento de choque, os participantes na marcha foram recebidos por polícias vestidos com t-shirts polo brancas, que em vez de lhes bloquearem o caminho, desimpediram a estrada. E ainda distribuíram garrafas de água e gelados, por causa do calor.

Mas pode-se dizer que mudou de facto alguma coisa? Isso é mais difícil. Ferguson, uma cidade de 21 mil pessoas, continua a ser a comunidade pobre, onde vivem os negros, com menos meios económicos, dividida por uma estrada que a separa de outra zona mais rica, onde vivem os brancos. Continua a ser segregado o acesso a empregos, a casas e melhores e empregos, com os melhores vedados aos que vivem no lado errado da cidade de Saint Louis, que fica ali a um saltinho, diz o New York Times.

A zona onde morreu Michael Brown é predominante negra, onde os habitantes mais se queixavam de problemas do polícia e também de crime. Mas fica a apenas a três quilómetros do centro da cidade, onde a vida é bem diferente. Saint Louis é a nona região mais segregada dos Estados Unidos.

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