Polícia confirma contabilidade paralela do PP espanhol

Partido no poder aceitou doações ilegais desde 1990, incluindo de empresas que a seguir obtiveram contratos públicos. Dinheiro servia para pagar “complementos” a dirigentes.

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O PSOE pediu a demissão de Rajoy por causa deste caso Juan Medina/Reuters

O Partido Popular espanhol, no poder, financiou-se nos últimos 20 anos com doações ilegais feitas por grandes empresários, incluindo algumas das principais construtoras de Espanha, diz um relatório da unidade de branqueamento de capitais da polícia. As doações eram ilegais por ultrapassarem o valor permitido e porque estas empresas assinaram neste período contratos com administrações públicas.

O relatório da polícia, a que vários jornais espanhóis tiveram acesso, confirma que os chamados “papéis de Bárcenas”, apontamentos de Luis Bárcenas, ex-tesoureiro do PP, publicados pelo El País em Janeiro, constituem uma contabilidade paralela do partido.

A polícia comparou os manuscritos com a contabilidade oficial do PP, os extractos da conta do partido no Banco Vitoria (agora Banesto), onde se depositavam as doações, como imposto pela Lei de Financiamento de Partidos Políticos, e ainda com os documentos do Caso Gurtel, o processo de corrupção e financiamento ilegal que envolve líderes do PP e se arrasta há anos.

Encontrou coincidências suficientes para concluir que a divisão das doações em pequenas quantidades – abaixo de 60 mil euros podem ser doações anónimas – foi prática comum.

O relatório da polícia, que já foi entregue ao juiz Pablo Ruz, da Audiência Nacional, identifica pelo menos “21 doações que superam o limite dos 60 mil euros” entre 1990 e 2008 e diz que se “observa uma actuação persistente de transformação de doações em dinheiro acima do limite legal em depósitos de doações anónimas, dividindo a quantia em múltiplas partes de valor inferior, pelo que é impossível verificar se cumprem os limites máximos”.

Quanto aos doadores, são citados vários casos de empresas que receberam contratos públicos (de administrações do PP, mas também do Partido Socialista) e cujos gestores deram donativos ao PP. A polícia analisou os contratos obtidos por estas empresas entre 2002 e 2012, mas sublinha que não dispõe de toda a informação e, segundo o El País, não chega a relacionar as entregas de dinheiro com a atribuição dos contratos.

O jornal espanhol Público vai mais longe. Fez as contas e escreve que governos do PP (nacionais, regiões autonómicas, municípios) adjudicaram obras no valor de 12,281 milhões de euros a construtoras que aparecem como doadoras nos “papéis de Barcenas”. Ao todo, 12 empresas que beneficiaram destes contratos doaram 3,4 milhões entre 2001 e 2012.

Em seis casos, escreve o Público, a polícia confirmou uma continuidade dos donativos ao longo do período das adjudicações. Nos outros seis, os donativos estão concentrados no ano em que houve “um elevado volume de contratação”.

A empresa mais beneficiada por administrações dirigidas pelo PP foi a construtora Obascon Huarte: obteve 215 contratos no valor total de 4,652 milhões de euros; o presidente, Juan Miguel Villar Mir, aparece nos manuscritos de Bárcenas como tendo doado 533 mil euros ao partido.

A polícia também conclui que o dinheiro proveniente destas doações ilegais acabou nas mãos de dirigentes do partido – Bárcenas falou destes “complementos” quando respondeu às perguntas da procuradoria anticorrupção. Ora alguns destes pagamentos também são ilegais porque, recorda o El País, os beneficiários recebiam salários por ocuparem cargos públicos que não podem ser acumulados com outros rendimentos.

Os agentes que assinam o relatório propõem ao juiz que chame oito empresários e alguns altos cargos do PP que já reconheceram ter recebido dinheiro vindo destas doações.

O primeiro-ministro, Mariano Rajoy, é suspeito de ter sido um dos beneficiários deste “saco azul” e de ter conhecimento da contabilidade paralela. Desde que os “papéis de Barcenas” saíram nos jornais e que a oposição pediu a sua demissão, Rajoy recusou explicar-se no Parlamento, limitando-se a assegurar que não está envolvido. Segundo uma sondagem realizada para o El País em Março, 79% dos eleitores acreditam que o ex-tesoureiro tem provas que podem comprometer a direcção do PP.

O PP também bloqueou a criação de uma comissão de inquérito sobre a amnistia fiscal de que Bárcenas beneficiou para 11 milhões de euros que tem depositados na Suíça – as autoridades suíças abriram entretanto uma investigação e dizem que as contas serão bloqueadas se ficar provado que Bárcenas aceitou subornos ou branqueou capitais.
 

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