Polémica em França devido a expulsão de adolescente cigana

Noventa e três por cento dos franceses concordam com o ministro do Interior, que disse: “Eles não se integram”

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Manuel Valls é um delfim de Hollande AFP

Leonarda Dibranni, uma rapariga cigana de 15 anos a viver em França, estava a começar uma excursão com os colegas de escola quando um telemóvel tocou dentro do autocarro. A professora de Geografia atendeu e ouviu o presidente da Câmara de Levier (Leste), Albert Jeannin, dizer que ia passar à polícia. “Um polícia explicou-me que tinha que prender a aluna que estava em situação irregular. Eu disse-lhe que não me podia pedir uma coisa tão desumana, mas ele respondeu que ia haver eleições e que eu devia parar imediatamente o autocarro”.

Minutos depois, Leonarda foi presa. Poucas horas mais tarde, foi deportada para Pristina, no Kosovo, juntamente com a mãe e os cinco irmãos com idades compreendidas entre um e 17 anos. Leonarda frequentava aquela escola, o Instituto André Malraux, há cinco anos. Estava, portanto, escolarizada e integrada – jornais como o Le Monde e o Libération explicaram que fala perfeitamente francês, que já pouco se lembra da sua língua de origem e que sempre teve boas notas.

A expulsão teve lugar no dia 9 de Outubro, mas só no dia seguinte a notícia foi conhecida, quando o governo da região de Doubs decidiu emitir um comunicado a justificar a expulsão da família Dibranni. Aos poucos, a indignação foi subindo de tom com as redes sociais a comentarem a brutalidade da política socialista para com a minoria cigana em França (200 mil pessoas). Finalmente, na terça-feira, a polémica foi assumida pelo ministro do Interior, Manuel Valls, que explicou que a legislação sobre imigrantes ilegais deve ser “firmemente seguida” e que o repatriamento da família de Leonarda “respeitou escrupulosamente os direitos dos estrangeiros”.

Um ministro socialista, ainda por cima o braço direito do Presidente François Hollande que fez campanha (e venceu o candidato da direita, Nicolás Sarkozy) prometendo “A mudança é agora”, a defender a expulsão da minoria mais perseguida na Europa? A esquerda caiu em cima de Valls. Uma parte do PS, a que está ligada à ala mais à esquerda do partido (liderada pelo secretário-geral, Harlam Désir), crucificou-o.

Mas o resto do espectro político manteve-se em silêncio, assim como a outra grande facção socialista, a hollandista, que vê em Valls uma estrela em ascensão. O ministro, que já se envolveu outras vezes em polémicas (com a Europa Ecologia Os Verdes, por exemplo) devido à política de expulsão de ciganos ilegais, está em sintonia com a opinião pública – 93% dos franceses, revelam as sondagens, consideram que os ciganos não se integram e não se esforçam por o fazer; o ministro tem dito o mesmo.

Inaceitável, dizem os socialistas
Foi Sarkozy quem acelerou o programa de expulsão dos ciganos, em 2010. Vals deu-lhe sequência. E o “caso Leonarda” seria apenas mais um se a sua prisão não tivesse acontecido como aconteceu – à frente dos colegas de escola e com as autoridades a obrigarem uma professora a colaborar. Um acto “inaceitável”, disse o porta-voz dos socialistas, David Assouline, no Parlamento de Paris. Um colega seu, Pouria Amirshahi (de origem iraniana), exigiu que o Governo de Hollande faça regressar a família de Leonarda “imediatamente” a França.

A história de Leonarda e da sua família foi pretexto para as associações de defesa dos direitos dos ciganos – perseguidos no seu país de origem, o Kosovo –, denunciarem que o Governo francês discrimina esta população, mesmo quando cumprem os requisitos das excepções previstas pela lei e que favorecem alguns imigrantes ilegais.

“Como pode Manuel Valls dizer que os ciganos não se integram quando os manda prender na escola?”, ironizou Jean-Luc Mélenchon, do Partido da Esquerda.

Leonarda e família entraram ilegalmente em França em Janeiro de 2009, conta a AFP. Antes, tinham vivido em Itália, de onde fugiram para escapar ao programa de repatriamento de ciganos decretado pelo então primeiro-ministro Silvio Berlusconi. No ano em que chegaram, os Dibranni fizeram três pedidos de asilo político, ao abrigo da lei que protege pessoas perseguidas nos países de origem; foram recusados.

Em Setembro deste ano, a família – o pai, que estava detido por imigração ilegal na Alemanha, foi repatriado para Pristina – recebeu ordem para abandonar voluntariamente a França. Accionaram uma das tais excepções da lei, que permite a legalização de famílias integradas – com casa, emprego e os filhos na escola. O parecer foi negativo. Apesar de as crianças frequentarem a escola, os Dibranni não cumpriam as condições “socioeconómicas” exigidas.
 
Abertura de inquérito
A partir daqui, a história está mal contada e cada um tem uma versão diferente. As autoridades de Levier, citadas pela imprensa francesa, disseram que foi a mãe que pediu o repatriamento porque queria reunir a família ao pai, já em Pristina. As organziações de apoio aos ciganos dizem que essa tese é impensável porque em Pristina os ciganos são perseguidos – garantem que a mãe queria ficar em França e educar ali os filhos. “É uma loucura. O Kosovo é conhecido por perseguir os ciganos. A mãe nem sabia o que fazer, queria ficar em França”, disse um porta-voz da Réseau Éducation Sans Frontières, um grupo de organizações que promove a integração de imigrantes através da educação.

O Governo, através do ministro Manuel Valls, descartou os detalhes e sustentou que “esta recondução à fonteira respeitou o direito dos estrangeiros,” pois a decisão foi tomada “com discernimento, inteligência e humanidade”. Para o provar, mandou abrir um inquérito, na terça-feira.

A polémica continua a crescer nas redes sociais. E entre os socialistas há quem queira que o “caso Leonarda” se mantenha no debate sobre a política de Hollande para com as minorias e os imigrantes. O secretário nacional dos socialistas, Stéphane Delpeyrat (um dos homens de Harlam Désir), disse que a liderança do partido tem que agir porque a expulsão de Leonarda foi “a gota de água que fez transbordar o copo”.

 
 
 

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