Podemos: o “populismo de esquerda” que emerge em Espanha

O líder Pablo Iglesias explica que “é mais importante o que se discute na televisão do que o que se debate no Parlamento”.

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Iglesias propõe-se “transformar a indignação em mudança política" Andrea Comas/Reuters

Chama-se Podemos — Yes we can — e foi a sensação das eleições europeias em Espanha. Formado há três meses, com um programa qualificado de “populismo de esquerda”, conquistou 1,2 milhões de votos (9,7%) e elegeu cinco eurodeputados — passa a ser a quarta força política espanhola. Tem um rosto: Pablo Iglesias, 35 anos, intelectual marxista, professor de Ciência Política na Universidade Complutense de Madrid e vedeta da televisão.

O seu sucesso assentou na mobilização do que resta do movimento dos “indignados” do 15-M (15 de Maio de 2011) e, sobretudo, na penetração no eleitorado socialista. Propõe-se “transformar a indignação em mudança política”. Mas Iglesias visa mais alto. Quer o voto daquela “gente humilde que historicamente depositou a sua confiança no PSOE e se sente muito decepcionada porque há uma distância enorme entre o que o PSOE propõe e o que depois faz”. Quer “reinventar a democracia e criar um processo constituinte”. Estas eleições confirmaram o desgaste dos grandes partidos, o PP e o PSOE, assim como o fim anunciado do bipartidarismo. É nesta brecha que Iglesias aposta.

Um ar populista

Dias antes da votação, interrogava-se no
El País o politólogo José Ignacio Torreblanca: “Podemos é um partido populista?” Deixava a resposta em aberto. Sublinhava a ambiguidade do projecto. “Por um lado, Pablo Iglesias pede nada menos do que a derrogação do Tratado de Lisboa [de 2007], a saída do euro, a suspensão do pagamento da dívida (default), a nacionalização da banca e de quase todos os sectores estratégicos da economia. (...) Mas, ao derrogar o Tratado de Lisboa, não ficaria em vigor o Tratado de Maastricht, que é precisamente o que criou o euro? E a saída do euro? Suporia o regresso a uma peseta desvalorizada?”

Lendo o programa eleitoral do Podemos, “não aparece a palavra euro uma única vez”, nem se analisam as alternativas e as consequências sobre os espanhóis. “Qual é o verdadeiro programa? O do Podemos ou o de Pablo Iglesias? Qual deles é o populista?” Torreblanca pedia uma clarificação.

Numa entrevista na véspera da votação, Iglesias “arredondou” a resposta: “A recuperação da soberania na política monetária — que é o que propomos — implica a formulação de uma estratégia com outros países do Sul da Europa, que estão numa situação similar [à nossa]. O que é claro é que este euro não nos serve.” Saída do euro? “É um cenário de ficção política.” O que interessa é a reestruturação da dívida.”

A campanha eleitoral passou ao lado do euro e concentrou-se noutros temas: denúncia da corrupção e da “casta” política, crescimento, emprego, reestruturação da dívida pública “ilegítima”, fim dos despejos de casas, proibição de deslocalizações para fora da Europa. “O debate não é entre esquerda e direita mas entre a casta política e os cidadãos”, proclamava Iglesias. Outro tema foi o ataque cerrado a Merkel: “Não podemos ser uma colónia da Alemanha”; ou “os alemães querem fazer de nós os seus criados.”

Falando numa “política do futuro”, Iglesias evocava também a Revolução Francesa: “A Europa é governada por absolutistas, e nós vamos ser os seus sans-cullottes.”

“El Gato al agua”

Pablo Iglesias não tem este nome por acaso: é uma homenagem ao Pablo Iglesias fundador do PSOE, em 1879. Militou nas Juventudes Comunistas entre os 14 e os 21 anos. Passou depois pelos movimentos alternativos e antiglobalização. Estudou o movimento zapatista. Doutorou-se em Direito e Ciência Política na Complutense.

Lançou-se numa carreira mediática, primeiro em canais de baixa audiência, onde foi comentador, apresentador, entrevistador. Procurava novas formas de comunicação política, disse ao El País. As grandes estações de televisão começaram a sentir-se atraídas pelas opiniões dos que participavam nessas tertúlias — os programas de debate político na Espanha.

“A chave das tertúlias — explica Iglesias ao El Confidencial — é que são os espaços mais poderosos de combate político. É mais importante o que se discute nas tertúlias do que o que se debate no Parlamento. A maioria das pessoas forma a sua opinião a partir do que ouve na televisão. (...) E a crise politizou muito a sociedade.”

Sintetiza o El Mundo: “O 25 de Abril de 2013 foi o dia em que começou a mudar a política espanhola sem que ninguém desse conta.” Nessa noite, Iglesias foi convidado como “tertuliano” no programa ‘El Gato al agua’ da televisão (conservadora) Intereconomia. Bastou uma aparição para que todos os canais se batessem por o ter o “tertuliano rojo” nos seus debates. Treze meses depois, converte-se na grande revelação eleitoral e faz uma “entrada triunfal na esfera do poder”.

“Leninismo digital”

“Tanto a ascensão de Marine Le Pen em França como a surpresa espanhola do Podemos são sintomas do mesmo descontentamento”, anota o jornalista e escritor Juan Soto Ivars. “E partilham muito mais do que a ambos agradaria.”

Enric Juliana, do La Vanguardia, faz uma análise irónica do fenómeno: “Um intelectual marxista que saltou dos livros para o plasma, infiltrando-se nas tertúlias mais ruidosas com a astúcia de um bochevique do soviete de Petrogrado”.

“Enquanto a Esquerda Unida permanece nas mãos da velha guarda comunista (...) o círculo de leitores de Slavoj Zizek [filósofo marxista esloveno) idealizava o partido de novo tipo. O Partido da indignação. O partido da raiva social. O Podemos é leninismo digital.”

“Deixaram perplexo o PSOE e deram uma alegria ao PP”. Confessou ao La Vanguardia um alto dirigente popular: “Tivemos sorte por o Podemos ter capitalizado boa parte do voto de protesto; sem o Podemos, o PSOE podia ter-nos ganho as eleições.”

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