Passos democráticos

Juncker não é só um dos pais da austeridade: é um pai que enjeita o filho que ajudou a conceber.

Há uns anos, na sequência de uma crónica para esta coluna, peguei num papel e escrevi uma coisa em inglês a que chamei “Pacto Democrático para a União Europeia”, em que cada signatário declarava o seu empenho pela construção de uma Democracia Europeia através de passos simples, concretos e decisivos.

“Os 500 milhões de cidadãos da nossa União não podem resignar-se a ser governados pela combinação entre uma burocracia distante e o resultado dos jogos de equilíbrio entre estados-membros grandes e pequenos”. Feito o diagnóstico, propunham-se os seguintes três passos:

1. Que o próximo Presidente da Comissão Europeia, chefe do executivo da União, terá de ser um candidato que tenha feito pessoalmente campanha em todos os países da UE, apresentado expressamente o seu programa para aquele cargo específico, e que tenha estado envolvido num debate pan-europeu com os outros candidatos para o mesmo lugar;

2. Que o Presidente da Comissão Europeia só possa ser indigitado após ter congregado o apoio da maioria dos grupos políticos do Parlamento Europeu, após as eleições europeias;

3. Que o Parlamento Europeu não aprove nenhuma Comissão cujo presidente indigitado pelo Conselho não preencha as condições indicadas nos números anteriores.

Passados vários anos, quase tudo isto veio a ocorrer (os candidatos não foram pessoal a todos os países da União, e espero que isso venha a mudar). O Pacto Democrático — que não era o único, nem o primeiro, documento a fazer este caminho — serviu para a reflexão que veio a dar lugar ao Pacto Cidadão pela Democracia Europeia, da associação European Alternatives (que se pode encontrar em www.euroalter.com). E, seguindo aproximadamente estas regras do jogo, o Parlamento Europeu veio a aprovar ontem o novo Presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker.

Ora bem: a democracia é um jogo em que podemos concordar com as regras, mas não temos de concordar com o resultado. Por isso é que é democracia. Ontem, eu teria votado contra Jean-Claude Juncker, como fizeram os deputados do PCP e do BE no Parlamento Europeu (à hora a que escrevo, parece que todos os outros deputados portugueses votaram a favor). Nas audições parlamentares, Jean-Claude foi pouco específico e até contraditório em relação ao seu programa. Naquilo em que foi específico, como na concordância com o Tratado de Comércio Transatlântico, pôs em perigo a segurança dos trabalhadores e dos consumidores europeus, e até a jurisdição dos seus tribunais. Jean-Claude Juncker continua a não admitir que presidiu ao governo de um país, o Luxemburgo, que é na prática um paraíso fiscal. Além disso, ele não é só um dos pais da austeridade: é um pai que enjeita o filho que ajudou a conceber.

Mas a pergunta de bondade do seu perfil ou do seu programa é diferente da questão da legitimidade da sua nomeação. Jean-Claude Juncker é o presidente-eleito da Comissão Europeia, pela primeira vez através de um processo que começa a aproximar-se da democracia parlamentar.

A questão agora é: quais são os próximos passos? Eu daria três: mais transparência e responsabilização na escolha dos comissários europeus; eleição direta ou parlamentar dos Representantes Permanentes no Conselho da UE; direito de ação coletiva dos cidadãos europeus junto do Tribunal de Justiça da UE. Nas próximas crónicas veremos porquê e como.

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