Partido do líder da Catalunha dá duas semanas a Madrid para negociar referendo

Artur Mas venceu o desafio da consulta simbólica sobre a independência, com mais de 2,3 milhões de catalães a saírem à rua para votar. Mas o mais provável é que os próximos meses sejam ocupados a negociar com o PP de Mariano Rajoy.

Foto
Artur Mas screverá a Rajoy pedindo-lhe que se celebre um referendo oficial sobre a independência Paul Hanna/REUTERS

Os mais de 1,8 milhões de catalães que votaram a favor da independência já limparam as lágrimas de emoção e agora esperam que os políticos lhes digam o que vai seguir-se. O partido de Artur Mas ameaça marcar eleições plebiscitárias se o Governo de Mariano Rajoy não responder, dentro de duas semanas, a um apelo para negocia. Mas o mais provável é que esse prazo seja dilatado e que os catalães ainda demorem a saber se algo vai mesmo mudar nas suas vidas.

Não há dúvidas que “o processo de participação cidadã”, o 9-N, foi um êxito: votaram 2.305.290 pessoas, num universo de 5,4 a seis milhões de eleitores possíveis. Mas este resultado ficou acima das expectativas mais optimistas. Dos que foram votar, 80,76% responderam “sim” às duas perguntas inscritas nos boletins: “Quer que a Catalunha seja um Estado?”; “Quer que a Catalunha seja um Estado independente?”.

O Partido Popular catalão sempre garantiu que só votariam apoiantes do “sim”, mas mais de 100 mil pessoas (104.772) deram-se ao trabalho de sair de casa para votar “não” (4,54%). Outras 232 mil escolheram votar “sim” na primeira pergunta e dizer “não” à secessão.

A delegação de eurodeputados que aceitou o convite para observar a ida às urnas considerou que esta “foi um êxito” e confirmou que o sistema informático funcionou, não tendo havido ninguém a votar duas vezes nem voluntários a pressionarem eleitores. “Esperamos que no futuro os catalães possam participar num processo destes sem os desafios que testemunhámos”, afirmou o chefe da delegação, o escocês Ian Duncan, do Partido Conservador.

Ainda com os votos a serem contados, o presidente da Generalitat (governo regional), Artur Mas, disse que os catalães “ganharam o direito a realizar um referendo legal e vinculativo”. Segunda-feira, o líder catalão deixou que o seu partido, a Convergência Democrática (CDC), falasse. Josep Rull, coordenador da formação, disse que há duas opções: uma é dialogar com o Governo do PP, outra é marcar eleições em que a declaração de independência surgirá como único ponto do programa.

Artur Mas, explicou Rull, escreverá a Rajoy pedindo-lhe que se celebre um referendo oficial sobre a independência. Admite que são “remotas” as possibilidades de êxito dessa negociação e avisa que a resposta não pode tardar “mais de uma ou duas semanas”.

Rull insiste que num cenário de eleições plebiscitárias, a Convergência vai tentar uma candidatura conjunta, que reúna todas as forças políticas que decidiram a consulta e as perguntas ao longo do último ano. Um cenário que o maior parceiro da Convergência neste processo, a Esquerda Republicana da Catalunha (ERC), já recusou. “As coisas aparentemente impossíveis às vezes são possíveis. Parecia impossível que houvesse urnas e elas existiram”, afirmou.

O politólogo Joan Subirats diz ter poucas certezas sobre os próximos meses, mas não acredita numa candidatura unitária. “A ERC e a CUP sabem perfeitamente que não se podem apresentar com um partido manchado pela corrupção. E [Oriol] Junqueras [líder da ERC] acredita que pode ganhar as eleições sozinho”, diz o especialista em governação e políticas públicas.

O escândalo de corrupção que envolve o fundador do partido de Artur Mas, Jordi Pujol, e muitos dos seus membros, não será esquecido a tempo de uma ida às urnas, defende Subirats. A CUP é o partido anti-capitalista que nunca se tinha apresentado a eleições autonómicas até Novembro de 2012, quando elegeu três deputados. Tanto a ERC como a CUP, independentistas de sempre, beneficiaram muito do processo de consulta e esperam ganhar votos nas próximas eleições.

O peso das “presidentas”
Junqueras tem repetido que “a independência não se negoceia” e começou a defender uma declaração unilateral de independência desde que Artur Mas recuou e decidiu transformar a consulta que tinha convocado no “processo de participação cidadã”. A pedido do Governo, o Tribunal Constitucional suspendeu a consulta depois de esgotadas as vias para um referendo legal.

A verdade é que o mesmo Constitucional suspendeu o “processo de participação cidadã” e este aconteceu, organizado pela plataforma Ara És L’Hora, que reúne a Associação Nacional Catalã (ANC), grupo independentista criado no início de 2012, e a Omnium Cultural, uma associação de defesa da língua catalã que existe desde o franquismo. Carme Forcadell, líder da ANC, e Muriel Casals, que preside à Omnium, conseguiram mobilizar 40 mil voluntários e tornaram-se nos principais rostos da consulta simbólica. Muitos referem-se às duas mulheres como “as presidentas” e estarão disponíveis para seguir as posições que estas tomarem.

Para Subirats, ANC e Omnium só apoiariam Artur Mas no âmbito de uma candidatura de unidade. Com a coligação que hoje o presidente da generalitat lidera, a CiU, que junta a CDC à União Democrática, praticamente “enterrada”, o politólogo aposta que Artur Mas avance “para uma candidatura baseada na ideia de um país, centrada em si mas com uma base social, o apoio de gente da cultura, intelectuais, líderes de opinião”.

Um líder forte
O que Subirats não acredita é que esta candidatura possa ganhar eleições. Aí, o editor de política do jornal catalão Ara, Ferran Casas, discorda. “Os catalães são muito reactivos, mas gostam de alguém que mostre saber o que está a fazer. Se Artur Mas souber afirmar-se como um líder forte, ainda tem possibilidades de ganhar à Esquerda”, diz.

Subirats nota que há muito jogo de bastidores – aliás, sábado soube-se que enviados de Artur Mas, do PP e dos socialistas passaram o último ano a encontrar-se para tentar negociar e, no mínimo, minimizar tensões. “Neste momento, podem já existir negociações entre a Convergência, o PP e o PSOE contra o inimigo comum, o Podemos”, diz o professor da Universidade Autónoma de Barcelona. O Podemos é o partido de Pablo Iglesias que elegeu cinco deputados nas eleições europeias, três meses depois de ter nascido, e que as sondagens mostram ter capacidade para acabar com o bipartidarismo espanhol e até ganhar eleições.

O que Subirats vê como mais provável é que “o prazo de duas semanas se vá alargando”. Afinal, “nem Artur Mas tem pressa em marcar eleições nem Madrid vai querer responder”. “Os interesses de ambos são coincidentes”, diz o politólogo, notando que o mais provável é que as revelações nos vários escândalos de corrupção que envolvem o PP continuem nas próximas semanas.

Certo é apenas que em Maio haverá municipais e que, a certa altura, haverá legislativas. Estão previstas para Outubro ou Novembro, “mas Rajoy pode decidir adiantá-las, deixando a Catalunha sem tempo para realizar autonómicas em 2015”. Outra certeza de Subirats é que “só Artur Mas tem poder para convocar eleições antecipadas”. Sabendo que o líder catalão vai “enfrentar grandes pressões” da ANC e da Omnium para avançar nalgum sentido, o politólogo diz que, “para já, Artur Mas está a demonstrar que sabe operar com uma astúcia maquiavélica”.

Sugerir correcção
Ler 8 comentários